14 de novembro de 2015

A Internet

Nos dias que correm, o recurso à Internet e redes sociais tornou-se um acto absolutamente banal. Tudo se encontra à distância de um click, seja em casa, num computador, seja na rua, em qualquer lugar. Para a nossa geração, a vida é quase impensável ser vivida sem o recurso às novas tecnologias.

Confesso que demorei a aderir às redes sociais porque sempre achei que fosse um mundo meio estranho, onde tudo é permitido, onde tudo é partilhado, onde tudo parece ser o que não é. Porque sou curiosa, mas cautelosa, lá aderi, sem grandes euforias e sem grandes exposições.  Aderi a jogos, a grupos específicos, fiz amizades que passaram do virtual para o real, também já tive as minhas decepções, mas quem não as teve?

Desde que a Internet apareceu na minha vida, recorro sempre que possível ou necessário. Recorro para tirar receitas de culinária, para ler, para pesquisar actividades para fazer com a minha filha, para verificar horários de transportes...ou seja, creio que como com quase toda a gente, a internet passou a fazer parte do meu dia a dia.


DO LONGE SE FAZ PERTO

Desde que vim para o Luxemburgo passei a utilizar muito mais as redes sociais, por razões óbvias, para falar com a família e amigos. Entretanto veio o diagnóstico de Fibromialgia e a primeira coisa que fiz, foi aderir a um grupo de apoio. Descobri que aqui não existe nada relacionado, nem sequer associação de doentes, o que por um lado também não me surpreende, por ser um país muito pequeno. Aderi a um grupo português de doentes com Fibromialgia que me foi (e continua a ser) muito útil. Lá aprendi a identificar mais sintomas, coisas que sentia já há muito tempo mas que não fazia ideia que fazia parte do leque. Como por exemplo, comichões que eu tinha ciclicamente. Pensava que eram problemas de pele, apesar de nunca ter marcas exteriores. Ou aquela sensação irritante de ter a impressão de bichinhos a passear-me pela pele e não ter nada...Ou o esquecimento de palavras em plena discurso...Ou as mudanças de humor repentinas...

Senti-me compreendida entre iguais, se bem que não me identificava com relatos muito negativos. Mas isso já tem a ver com a minha personalidade...ou mau feitio, vá. Eu acho que bem basta termos dores o dia todo, sentir um cansaço que nunca nos larga, isto já para não falar do resto. Para quê estar sempre a bater na mesma tecla?

A minha terapeuta de psicomotrocidade ensinou-me alguns exercícios de respiração profunda que me ajudaram bastante a controlar o stress e a diminuir o seu impacto no meu corpo. Mas como não me contento com pouco, fui à procura de mais e dei comigo a pesquisar sobre meditação e auto-reiki. Procurei e pus em prática da melhor vontade possível. Posso dizer que tenho alguns links nos meus favoritos para recorrer sempre que necessito. Relativamente à meditação, tenho 2 aplicações no telemóvel para o efeito que me permitem por em prática em sítios públicos sem dar nas vistas. Quando estou no comboio, por exemplo, coloco os meus fones e oiço tranquilamente a música e faço um pouco de meditação. São 15 ou 20 minutos que não estaria a aproveitar para nada, mas que assim uso em meu benefício. Podem dizer que é por sugestão, mas resulta mesmo. Não é nenhum ovo de Colombo mas há que manter a mente aberta para todas as ferramentas existentes para nos ajudar.

Também descobri os benefícios da Reflexologia podal. Quando estou nos dias menos bons, antes de me deitar e ouvindo uma musiquinha calma, pratico o melhor possível o que aprendi na net e sinto que me alivia nas dores e consigo dormir um pouco melhor. Obviamente que não poderei afirmar que é a mesma coisa do que recorrer a um profissional, mas todos sabemos que ao estimular zonas reflexas no nosso corpo, só pode trazer alívio. E também, se não fizer nenhum efeito reflexo, ao menos ficamos com os pés bem massajados e hidratados...e no meu caso, sabe-me sempre bem.

Foi também através da internet que aprofundei os meus conhecimentos de aromaterapia. Uma terapia natural e sem grandes efeitos secundários, mas também com grandes benefícios no nosso bem estar físico e psíquico. Já falei nisto anteriormente e continuo a utilizar e por em prática. Eu utilizo o óleo essencial de lavanda para relaxar e dormir melhor (à noite) e o óleo essencial de limão para revitalizar e diminuir um pouco a fadiga (de manhã)

Também descobri o conforto que é poder fazer compras on-line. Não é por falta de tempo, mas muitas vezes pelo estado do tempo em si. E é tão prático encomendar livros, roupa ver filmes e outras coisas, sem sair de casa. Sobretudo no nosso caso, quando por vezes é difícil, vestir e sair de casa...e ver pessoas...e ouvir barulho...confusões...para quê, se posso fazer isso tudo sem sair do sofá?

Mas uma das melhores coisas que a internet me traz, sobretudo através das redes sociais, é o de poder comunicar com pessoas de quem gosto. Não sou muito de nhãnhãnhãs e não ando a chatear ninguém, mas há pessoas com quem gosto muito de falar, de trocar opiniões, teorias, episódios do quotidiano. E como em todo o lado, aparecem sempre pessoas que nos surpreendem, uns pela positiva porque vamos descobrindo pontos em comum com algumas pessoas, mas também nos surpreendemos pela negativa porque descobrimos que tal como na vida real, também no mundo virtual as pessoas nunca são o que parecem ser.

Com o tempo senti necessidade também de partilhar o que sinto, de bom e de menos bom, relativamente à minha doença, que também é a de muitas pessoas, mas de forma menos negativa. E por essa razão criei inicialmente a página https://www.facebook.com/Saber-viver-com-Fibromialgia-1663600397212208/ com o mesmo nome, e posteriormente o blog. Escrevo para partilhar mas sobretudo para mim. Escrever tornou-se um pouco catártico e descobri que me dá imenso prazer. Mesmo com dores e toda contorcida, ou mudando 327 vezes de posição para estar ao computador, quando escrevo, tudo me parece secundário.


MAS...

Se não me canso de dizer que a internet é muito minha amiga, também tenho que assumir que esta "relação" não é isenta de riscos.

Quando me iniciei no mundo virtual e aderi ao Facebook, comecei a jogar um jogo muito popular na altura. Começou de forma normal, mas quando dei conta, passava quase todo o meu tempo livre em casa e a jogar. Por ter amigos que também o jogavam e porque sempre fui competitiva, jogava para estar sempre à frente dos outros. Um dia "acordei" e achei que isso não era vida, nem para mim, nem para quem me rodeava e de repente, desactivei tudo. Até o meu companheiro na altura ficou surpreendido como é que eu estava tão habituada a jogar, fui capaz de cortar assim de um momento para o outro. Deixei não tanto pelo vício, mas pela sensação de me estar a sentir controlada. E quem me conhece sabe que odeiooo sentir-me pressionada seja de que forma for. Se eu nunca deixei ninguém controlar a minha vida, não era um joguito que o ia fazer.

Mais tarde, e depois de aderir a alguns grupos, também senti que passava muito tempo nas redes sociais. Liguei-me a grupos ligados à culinária, à música, a livros...Passava muito tempo ligada e para mim era normal estar sempre a falar com alguém. Reforcei amizades, criei novas e dessas, algumas passaram para o mundo real. Posso considerar-me uma mulher de sorte porque felizmente ainda hoje mantenho a maioria dessas relações. Mas hoje reconheço que, apesar de na altura, me dar prazer estar sempre ligada, também era uma forma de me alhear da minha realidade. A minha vida pessoal estava a desmoronar-se e a internet passou a ser um escape. Enquanto falava e brincava com as minhas amigas, não me lembrava do que me rodeava. O que não era nada bom porque só ajudou a protelar uma situação que se adivinhava irreversível.

Este quanto a mim é um dos maiores perigos indirectos da internet. Por ser tão fácil as pessoas relacionarem-se on-line, acabam por virar costas ao que interessa e a vida real acaba em segundo plano. Eu lembro-me que, quando comprei um robot de cozinha, estava de tal maneira empenhada em cozinhar e partilhar o que fazia, que o pessoal em casa já brincava e antes de começar a comer fosse o que fosse, perguntavam "posso comer? já tiraste a foto?"Também nos grupos de culinária havia uma espécie de competição para ver quem fazia a melhor receita e consequentemente a melhor foto. Sim também passei por isso. Hoje continuo a gostar de partilhar como toda a gente, mas de forma mais serena.

Actualmente penso muito mais em mim e naquilo que me pode fazer bem ou não. E apesar de me saber muito bem poder fazer muita coisa pela internet, tento a todo o custo sair de casa. Porque me obrigo a mexer-me, tento dividir as minhas actividades na rua por dias. Ou seja, mesmo que possa fazer várias coisas no mesmo dia, tento fazê-las em dias diferentes pois assim obrigo-me a sair de casa, e de ver pessoas, e de apanhar ar, mas sobretudo de me mexer. 

Descobri por experiência própria que, nos dias menos bons, em que tudo dói e nada parece aliviar, é nesses momentos que tenho que sair de casa. Nem que seja para ir despejar o lixo ou ver o correio, ou assim para a loucura, arrastar as pernas até ao fundo da rua.

Temos que admitir que é muito mais cómodo, usarmos a doença como desculpa para ficar em casa e não falar com ninguém, porque muitas vezes é isso que acontece. É muito mais fácil falar com alguém on-line, onde respondemos quando nos apetece e como nos apetece, do que falarmos com alguém pessoalmente, e ter que vestir, arranjar e estar sentada algures a conversar com alguém ou passear quando, instintivamente o que nos apetece é ficar no nosso casulo. Mas descobri que são essas pequenas coisas que me ajudam no dia a dia. Por estar de baixa há algum tempo, não tenho necessidade de sair de casa todos os dias, mas obrigo-me a fazê-lo.

Vejo muitas pessoas com doença crónica que se escudam na doença e se deixam ficar em casa, mas de nada adianta porque a dor não passa, o desconforto não desaparece e pior, a nossa auto-estima vai-se degradando e isso mais cedo ou mais tarde, também se vai reflectir no nosso estado físico. Eu própria demorei algum tempo a processar e desculpava-me para não ter que sair de casa....sim também tive dias em que tive pena de mim própria...felizmente poucos!

Aos poucos, fui descobrindo o prazer em falar com as pessoas, porque isso me obriga a dar o melhor de mim. Não para mostrar aos outros, mas por mim. Mesmo que não fale com ninguém, gosto de sair, mesmo com dores. Tenho a sorte de morar numa zona muito verde e tranquila, mas perto de lojas, sobretudo de decoração que eu adoro. E nos dias em que não tenho nenhuma tarefa programada (compras, banco, etc), saio para ver as lojas. Muitas vezes nem compro nada, mas nem é esse o objectivo, mas sim sair e ver gente.

Felizmente também tenho algumas amigas que me entendem e me estimulam também a sair para passear, almoçar, caminhar, enfim, partilhar momentos de gajas...São estes momentos com amigos e família chegada que me permitem ter um pouco de normalidade na minha vida que ficou um pouco de pernas para o ar com o diagnóstico, mas que eu quero a todo o custo manter dentro dos carris sem me desviar muito dos planos traçados. Não é fácil, é uma luta diária e constante, mas não é impossível. Permito-me ter momentos menos bons, mas mesmo nesses momentos tento sempre ver o lado bom da coisa e reagir. 

O difícil nesta nova vida é manter o equilíbrio entre aceitar aquilo que a doença nos limita e aquilo que não podemos deixar que ela controle. É muito fácil sucumbir ao conforto que a internet e as redes sociais nos disponibilizam, mas é preciso um bom jogo de cintura para que não nos deixemos cair nessas rotinas. Mas nada é impossível. E apesar de ser doente crónica, recuso-me a deixar de ser quem sou e que a doença me controle...bem, não todos os dias...

13 de novembro de 2015

Dor crónica... e muito mais...

Quem sofre de dor crónica, não tem como único sintoma uma dor constante e/ou lancinante. Também sofre de perturbações do sono, está mais propenso a estar deprimido, ansioso e sente muitas vezes dificuldade em tomar decisões simples.

Num estudo efectuado na Northwestern University's Feinberg School of medicine, os investigadores concluíram que a dor intensa sentida a longo prazo, provoca outros sintomas relacionados com a dor.  
Num cérebro saudável, todas as regiões se relacionam em perfeita harmonia, ou seja, quando uma região é activada, as outras ficam em repouso. Mas em pessoas com dor crónica, a região frontal do córtex cerebral, associada às emoções "nunca se desliga". Quem o afirma é Dante Chialvo, principal autor e professor investigador da Feinberg School. "As áreas afectadas não conseguem desactivar-se quando deveriam."

Estas áreas estão constantemente activas, provocando um desgaste intenso ao nível dos neurónios e das suas conexões. Esta é a primeira confirmação de que as perturbações cerebrais em pacientes com dor crónica não estão directamente relacionadas com a dor.

Chialvo e seus parceiros na pesquisa recorreram à Ressonância Magnética funcional para mapear o cérebro de um grupo de voluntários que sofriam de dor lombar crónica comparando com outro grupo de voluntários sem dor. Ambos os grupos tinham de seguir o movimento de uma barra deslizante num écran de computador. O estudo demonstrou que os dois grupos conseguiram executar a tarefa, sendo que o grupo de voluntários com dor crónica recorreu a áreas do seu cérebro diferentes, comparativamente ao segundo grupo.

 No grupo dos indivíduos sem dor, quando determinadas partes do córtex cerebral foram activadas, outras foram desactivadas, mantendo um equilíbrio entre as regiões cerebrais. Este equilíbrio é também conhecido como redes de estado de repouso. No grupo dos indivíduos com dor crónica, uma zona dessa rede nunca se desligou como aconteceu no grupo dos indivíduos sem dor. 

"A actividade incessante dos neurónios nestas regiões cerebrais, pode causar danos permanentes" afirmou Chialvo. "Sabemos que quando os neurónios entram em hiperactividade, podem mudar as suas conexões com outros neurónios ou até mesmo morrer por não suportarem esta sobrecarga de actividade durante muito tempo."

"Quando um paciente sofre de dor crónica, sente dor 24 horas por dia, 7 dias por semana, a cada minuto da sua vida" disse Chialvo. "Esta percepção permanente de dor no seu cérebro, faz com que essas áreas estejam continuadamente activas. Esta disfunção contínua no equilíbrio cerebral, pode alterar para sempre o bom funcionamento do cérebro."

Chialvo constatou que este desequilíbrio da actividade cerebral "pode tornar mais difícil a tomada de simples decisões ou acordar de bom humor. A dor constante pode levar à depressão e a outras patologias uma vez que existe uma perturbação do funcionamento do cérebro como um todo."

Esta descoberta mostra que é essencial continuar a estudar novas abordagens para tratar estes pacientes, não apenas para controlar a sua dor, mas também para avaliar e prevenir esta disfunção cerebral provocada pela dor crónica.

Este estudo foi publicado no The Journal of Neuroscience. Os colaboradores de Chialvo neste projecto foram Marwan Baliki, um estudante de pós graduação; Paul Geha, um colega pós-doutorado e Vania Apkarian, professora de fisiologia e anestesiologia, todos Feinberg School.

Fonte: http://www.sciencedaily.com/releases/2008/02/080205171755.htm

12 de novembro de 2015

Mudanças

Receber um diagnóstico de doença crónica é sempre um choque. Mesmo que saibamos que não é normal a dor não abrandar, o cansaço não desaparecer, que não consigamos dormir uma noite em condições, estamos sempre à espera que haja solução para os nossos males. E tentamos tudo para que se possa sentir algum alívio, seja a que nível for.

Passado o impacto da notícia, há que reagir em conformidade. O que nem sempre é fácil. "Há coisas piores", dizem-nos..."Tens que reagir", opinam outros...O certo é que não queremos ouvir opiniões sobretudo de quem não está a passar pelo mesmo. Por momentos, a ideia de ter que passar o resto dos nossos dias com estes sintomas, é uma ideia aterradora.


Vamos reagindo, uns dias melhores que outros, com a certeza de que o que ficou para trás, ficou MESMO para trás. E há que saber viver o melhor que se pode com o que se tem. Não há outra forma. De nada serve lamentar a nossa sina (assumo que de vez em quando o faço...mas por breves momentos), de nada serve termos pena e muito menos revoltarmo-nos contra tudo e contra todos. 

Eu sei que as pessoas "aconselham" com boa vontade porque não sabem o que mais dizer. Euzinha, prefiro que não digam nada e que falem comigo normalmente e me deixem viver ao meu ritmo. A única certeza que tenho é que só EU sei o que é melhor para mim. E para isso tive que me adaptar à minha nova realidade. Aprendi a valorizar as pequenas coisas e a desligar-me daquilo que não me faz feliz. Aprendi também a conhecer-me melhor porque só assim posso evoluir. Se é fácil escrever agora sobre isto, passar por todo este processo (que está em constante mutação) não tem sido pêra doce, mas queixar-me para quê, certo?



NEGAÇÃO


Depois do diagnóstico e de acharmos que estamos preparados para o que vai ser o resto das nossas vidas, a negação começa a infiltrar-se. Nos nossos pensamentos, nas nossas atitudes, nas nossas relações com os outros. Conscientemente pensei que tinha aceite a nova condição, mas dei-me conta que as minhas atitudes não estavam em conformidade com aquilo que eu pensava que pensava. Confuso? Nada disso...

Eu dizia para mim própria que estava tudo bem, que assumia estar doente, mas depois forçava-me a agir no sentido contrário. Continuava a desempenhar (ou a querer) as minhas tarefas como sempre fazia. nas coisas mais insignificantes...Quando acordava, por exemplo, e sentia o cansaço que já se tinha instalado (ou que ainda não tinha ido embora), obrigava-me a sair da cama achando que era psicológico e era o que mais faltava estar agora a fazer a vontade ao corpo. Depois continuava (ou tentava, vá) as minhas rotinas como se nada fosse e o meu corpo não aguentava. Aumentava a dor, o cansaço e a espiral não quebrava o ritmo e ficava frustrada. Quando finalmente me dignava a parar, já estava de rastos, completamente exausta, nem para chorar tinha já forças.


RAIVA



É muito fácil dizer aos outros para ter calma e para levar a vida um dia de cada vez. "Pimenta no cú dos outros, é refresco!"(perdoem-me os mais sensíveis) Difícil é aceitar que estamos mesmo diferentes, que mesmo que não queiramos aceitar, o nosso corpo mudou e que não responde mais como nos habituámos a vida inteira. 

Senti muitas vezes raiva de não conseguir tomar um duche sem ter que parar várias vezes a água porque não tinha forças para passar o shampoo. Senti raiva quando fazia a minha cama (é só esticar o edredon) e tinha que me sentar a meio. Senti raiva quando depois de fazer o almoço ou jantar, não conseguia estar à mesa, a comer de faca e garfo, como toda a gente, porque não tinha força sequer para agarrar a faca. Senti raiva muitas vezes raiva quando estava a falar e a meio do discurso, esquecia-me do que estava a falar. 

Curiosamente nunca tive pensamentos de "porquê eu?" e nunca me comparei com ninguém. A minha raiva vinha de mim contra mim, não queria aceitar que tinha mudado. Que tudo tinha mudado. O mundo lá fora continuava igual, mas EU TINHA MUDADO...e não para melhor.


REAGIR É PRECISO

Durante toda a minha vida e também por defesa, sempre que me vejo confrontada com uma situação que não controlo, dou-me ao luxo de, por um tempo determinado, deixar-me cair no fundo do poço, comprometendo-me comigo própria a reagir imediatamente a seguir. Não sou de ferro, sou de carne e osso e também tenho direito aos meus momentos de neura e de lamentações, mas depois é preciso mudar e quebrar o ciclo.

Sou de personalidade forte (uns dirão que é mau feitio) mas não sou nada de baixar os braços e de me deixar arrastar indefinidamente por sentimentos de tristeza. Até porque com a Fibromialgia, descobrimos rapidamente que pensamentos negativos e derrotistas se reflectem imediatamente no nosso corpo. 

Nas pesquisas que fazia e faço incessantemente, vi que era benéfico, fazer um diário de tudo o que fazemos durante o dia, medicação, hábitos de higiene e alimentares, e níveis de dor, no sentido de conseguirmos descortinar algum tipo de padrão. Felizmente a minha terapeuta de psicomotricidade sugeriu-me que, em vez de tomar só nota dos momentos de dor, para tomar nota também dos momentos SEM dor, tomar nota dos momentos felizes e do que eu fiz durante o dia que me desse algum prazer, nem que fossem só 5 minutos. A ideia era obrigar-me a consciencializar que apesar da dor e da fadiga, também temos momentos sem dor, ou que de alguma maneira nos tragam alguma compensação.

Ao fim de alguns dias apercebi-me que já não mencionava os momentos ou níveis de dor. Eles estavam sempre presentes, mas eu não queria centrar a minha vida à volta disso. Mesmo que fossem só 5 minutos de cada vez, eram esses 5 minutos que tinham que importar, que tinham que ser valorizados.


DEIXAR DE SENTIR CULPA

Curioso como quando nos sentimos encurralados e não vemos sequer uma luzinha ao fundo do túnel, estamos mais propensos a acreditar em coisas que antes nos pareciam caricatas. Sem saber como gerir a dor constante, "aceitei" começar a pesquisar sobre meditação. Percebi que somos muito mais do que a doença. Que centrar a nossa vida à volta dela, acaba por ser extremamente tóxico e mais uma vez o nosso corpo reage em função disso.

Com o tempo consegui compreender o óbvio: eu não tenho culpa de estar doente. Acontece a qualquer um e nos momentos mais inesperados e de nada serve estar a alimentar sentimentos negativos. Não é fácil assumir que estamos doentes, mas de que adianta continuar a negar? Estamos e pronto. 

Percebi que era preciso criar um equilíbrio entre o aceitar a doença e o não se deixar controlar por ela e essa é a parte mais difícil. É muito difícil saber quando parar, sobretudo para quem sempre se habituou a não depender de nada nem de ninguém. E confesso que de vez em quando ainda tento levar o meu corpo ao limite. Não é de forma consciente, mas ainda tenho momentos em que o meu cérebro se esquece que o meu corpo já não lhe responde da mesma maneira.


PRIORIDADES

Nada nos puxa mais para realidade do que sentirmos o nosso chão a fugir dos pés. E é nesses momentos que descobrimos o quão fortes somos. E que mesmo que precisemos da ajuda dos outros, é preciso ser muito forte para assumir que precisamos dela. Prefiro pensar que pedir ajuda, não faz de mim fraca, mas faz de mim um ser consciente que assume que não está bem e que precisa de ajuda para não se sentir pior. Isso não é ser fraco, mas é ser extremamente forte.

Tornei-me na minha prioridade primordial. Consegui criar um projecto de vida alternativo que me vai permitir manter uma actividade profissional, respeitando minimamente o meu corpo e as minhas necessidades básicas, mas com o tempo lá chegaremos.

Percebi que tinha que saber filtrar os meus sentimentos e pensamentos. É mais fácil dizer do que fazer, mas aprendi que de nada adianta estar a alimentar sentimentos que eu não posso controlar. E de cada vez que eu me apercebia que estava a pensar sempre no mesmo, "sacudia" o pensamento para longe e pouco a pouco consegui controlar um pouco melhor aquilo que o meu cérebro processa. De cada vez que fico triste ou mais pensativa, tento perceber porque me sinto assim e se há forma de mudar.

Outra coisa que tive que mudar foi baixar o nível de exigência das metas que me propunha atingir. Isso reflecte-se em decisões simples como arrumar ou limpar a casa. O que antes eu conseguia fazer num só dia, ou mesmo numa só manhã, agora proponho-me metas mais realistas e exequíveis. De que adianta eu querer limpar a casa numa manhã quando eu sei que não vou conseguir? Prefiro estabelecer um limite de arrumar uma divisão ou duas por dia. Se o conseguir ultrapassar, melhor. Se não o conseguir ultrapassar, também não fico frustrada, porque cumpri com o que me propus fazer.

Agora sinto que tenho o direito de dizer "não" sem me sentir culpada. Seja relativamente a atitudes e comportamentos alheios, seja para comigo. Tenho o direito de fazer menos se precisar, sem justificar as minhas decisões. Simplesmente porque eu o mereço.

Tenho que me mexer. Instintivamente, a vontade que tenho quando estou com dores, é de me deitar, enrolar e ficar ali quietinha sem ninguém me chatear. Mas descobri que por muito que isso pareça o melhor a fazer, acaba por ser muito pior para mim. Por isso quando estou muito aflita, descobri que o melhor é mexer, nem que seja andar no corredor de um lado para o outro. Tento sempre sair de casa todos os dias. E mesmo quando posso tratar de vários assuntos no mesmo dia, tento sempre executar um cada dia, para me obrigar a tomar banho, vestir, sair de casa e apanhar ar.

Também descobri o prazer de escrever. Nunca pensei fazê-lo mas a verdade é que enquanto o faço, o meu foco está direccionado para a escrita e consigo abstrair-me da dor e do desconforto. Criei a página e o blog como terapia e está a dar-me muito prazer. É preciso encontrar algo que nos motive e que nos obrigue a reagir um pouco mais dia a dia. É preferível concentrarmo-nos nos pequenos prazeres do que focarmo-nos nas nossas deficiências.

Em suma, a vida é nossa, e não podemos deixar que sejam os outros a ditar como a devemos viver. Não existe a solução perfeita e cada um encontrará o seu equilíbrio, mas essa decisão é única e exclusivamente nossa.

11 de novembro de 2015

Aromaterapia...resulta?

Quando estava tirar o curso de Recuperação Física tive o meu primeiro contacto com a aromaterapia, uma vez que estava inserida num ambiente em que privilegiava as terapias naturais. Mas como na altura eu ainda nem sequer sonhava que pudesse vir a ter Fibro ou outra coisa engraçada qualquer, nunca me interessei muito sobre o assunto. E confesso que, tudo o que não fosse visível ou fisicamente comprovado, eu rejeitava... educada mas tendencialmente.

Aos poucos comecei a perceber que a medicina dita convencional também não tinha todas as respostas. E bem vistas as coisas, a origem de toda a medicação química teve uma origem natural...porque não regressar às origens?

Existem muitas terapias alternativas, mas hoje vou só falar da aromaterapia e de como ela nos pode ajudar. Pessoalmente tenho recorrido aos óleos essenciais e têm-me ajudado bastante. A minha fisioterapeuta começou a utilizar óleo essencial de lavanda nas sessões de massagem e apercebi-me que me ajudava bastante.

AROMATERAPIA... É O QUÊ?

A palavra aromaterapia vem dos termos gregos "aroma"= odor agradável + "therapeia"= tratamento. Significa literalmente, tratamento através de odores agradáveis. É uma terapia utilizada há mito tempo, aplicada em rituais e cerimónias religiosas, mas também como medicamentos, unguentos, perfumes e cosméticos.

A aromaterapia é a prática de recorrer a óleos essenciais, naturais, extraídos das flores, caules, cascas, folhas, raízes ou outras partes da planta para melhorar a nossa qualidade de vida, actuando tanto a nível físico como psicológico e emocional. 

Leva em conta os vários aspectos de cada indivíduo e é uma excelente aliada nos tratamentos convencionais e/ou alternativos. Quando inalado, o aroma desses óleos estimula o cérebro pela acção nas áreas do sistema límbico (unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais). Estando cada vez a ganhar mais terreno no dia a dia de cada um, esta terapia ajuda no alívio da dor, do mal-estar e desconforto geral, melhora o humor assim como as funções cognitivas.

Indicações

- Insónia
- Stress
- Ansiedade
- Alívio da dor
- Depressão
- Reforça o sistema imunológico
- Problemas gástricos
- Problemas respiratórios
- Tosse e dores de garganta


COMO APLICAR

Por serem óleos essenciais, são altamente concentrados e não se recomenda que sejam usados directamente sobre a pele. Obteremos melhores resultados se os utilizarmos em pequenas quantidades diluídas em óleos vegetais, óleo de amêndoas doces, cremes neutros, sabonetes líquidos neutros, álcool de cereais ou mel (não para ingerir mas para massajar).

Massagem


Esta é a forma mais popular para a aplicação da aromaterapia. Algumas gostas do óleo essencial seleccionado, diluído ou misturado numa base neutra (óleo de amêndoas doces ou outro) podem trazer resultados, tanto físicos como psicológicos. Isto porque o sentido do olfacto é accionado quando o óleo é aplicado e também porque ao ser absorvido pela pele, chega à circulação sanguínea.

No meu caso, a minha terapeuta utiliza muito o óleo essencial de lavanda. Diminui bastante a sensação da pressão da massagem e ao mesmo tempo sinto que me diminui consideravelmente a tensão muscular. Isto também porque no final de cada sessão, eu fico envolta em toalhas quentes e a ouvir uma musica muito relaxante durante cerca de meia hora. 

Também sinto muito alívio na tensão muscular quando uso óleo de arnica com sementes de girassol na massagem. Depois dum duche, peço a quem está comigo para me massajar suavemente com esse óleo e alivia-me bastante, sobretudo naqueles dias em que nada parece aliviar.


Banhos


Colocar umas gotas de óleo essencial no seu banho de imersão pode ser muito relaxante. Encha a banheira com água à temperatura desejada (sempre superior a 37º) e deite algumas gotas do óleo escolhido previamente diluído numa base neutra. Para uma colher de sopa de óleo neutro, utilize cerca de 25 gotas de óleo essencial. Fique na banheira durante pelo menos 20 minutos mantendo uma respiração lenta e relaxante. Ao fim desse tempo saia, e aqueça-se rapidamente. 

Atenção que os banhos de imersão com água muito quente podem não ser bem tolerados por pessoas com tensão arterial baixa. Pessoalmente não me dou com água muito quente. No duche e muito menos no banho. Causa-me mais dor e aumenta-me consideravelmente a sensação de fadiga.


Inalação


É a base da aromaterapia, a técnica da inalação directa e sem dúvida a forma mais segura de a pôr em prática. O óleo essencial inalado estimula o olfacto, estimulando o sistema límbico e também porque ao entrar pelos pulmões, entra rapidamente na corrente sanguínea. São muito utilizados para ajudar em problemas respiratórios, nomeadamente quando diluídos em água quente (cerca de 5 gotas numa bacia com água quente) ou deitando 3 ou 4 gotas num lenço e respirar directamente.

Outra forma de utilizar, é deitar algumas gotas de óleo essencial relaxante na almofada e dormir sobre ela.

Eu recorro muito ao óleo essencial de lavanda antes de ir dormir. Deito umas gotinhas num lenço de papel e enquanto estou a ler ou ao pc, já na cama, inalo várias vezes. Sinto que me dá noites mais tranquilas e sem sonhos ou pesadelos. Nem sempre resulta mas ajuda bastante.

Também recorro ao óleo essencial de limão, sobretudo na manhã para contrariar um pouco a fadiga e sentir um pouco mais de energia. 



Compressas 

Compressas quentes de óleos essenciais aliviam bastante as cólicas menstruais e dores musculares e/ou articulares. Já as compressas frias são mais utilizadas para traumatismos na fase mais crítica, diminuindo a dor muscular e facilitando o movimento articular.

Numa bacia com água quente ou fria (conforme a finalidade pretendida) deite algumas gotas do óleo essencial diluídos num pouco de álcool de cereais. Usando o pano como compressa, aplique na área do corpo a ser tratada


Spray ou vaporizador

Utilize 2 ou 3 gotas de óleo essencial diluído em  álcool de cereais dentro dum vaporizador de carteira e utilize-o mesmo em casa.


Escalda-pés


Esta também é uma forma muito utilizada. Numa bacia de água quente, deitam-se 15 gotas  de óleo essencial diluídas em óleo neutro. Deixam-se os pés mergulhados nesta solução cerca de 20 minutos.





QUE ÓLEOS ESSENCIAIS UTILIZAR

A aromaterapia não é uma ciência exacta e aplicam-se vários óleos para a mesma situação. Recomenda-se que fale com um técnico e que dentro do que pretende (para relaxamento por exemplo) experimente vários óleos e escolha o que mais lhe agradar. No meu caso, para relaxamento, dentro dos que a técnica me apresentou, o que eu mais gostei foi o de lavanda. E para controlar a fadiga, escolhi o de limão. Cada um escolherá a essência que mais lhe agradar.

Óleos que promovem o relaxamento

- Baunilha
- Lavanda
- Rosa
- Camomila,
- Sândalo
- Ylang-ylang
- Palmarosa
- Manjerona
- Manjericão
- Jasmim
- Abeto ou pinheiro

Óleos que promovem a revitalização

- Hortelã- pimenta
- Cítricos
- Gengibre
- Alecrim
- Canela
- Cravo
- Mirra
- Melaleuca (Tea tree)

estes são apenas alguns dos óleos essenciais mais utilizados, mas a lista é muito mais extensa.


CONTRA-INDICAÇÕES

Apesar de ser uma terapia natural e segura, quando indicada por um terapeuta qualificado, é importante tomar alguns cuidados.

Fototoxicidade - alguns óleos essenciais causam queimaduras na pela quando em contacto com a luz solar, tal como acontece com os óleos de bergamota e os cítricos.

Gravidez - Absolutamente contra-indicados

Hipertensão arterial - Evitar alecrim, canela, cravo hortelã-pimenta e gengibre

Epilepsia - Devem ser evitados óleos essenciais de alecrim, canela, cravo, erva-doce, hortelã-pimenta e sálvia

Bebés e crianças - Deve-se aumentar a diluição no uso em bebés ou crianças, utilizando óleos essenciais seguros



9 de novembro de 2015

A teoria das colheres

Ando sempre a divagar pela net à procura de qualquer coisa que me ajude a entender melhor todo este processo, mas também para encontrar formas de aliviar os sintomas, uma vez que a cura ainda não está prevista para os próximos anos, mas até lá a malta não pode ficar de braços cruzados, certo?

Uma curiosidade que encontrei, mais em sites estrangeiros, é a chamada Teoria das Colheres (Spoon Theory). É uma teoria engraçada, mas muito realista que se adapta à nossa patologia. Foi uma "teoria" que nasceu por acaso, através duma doente crónica que queria explicar a uma amiga como era viver com uma doença crónica, no caso dela, Lupus. Achei esta teoria muito interessante, porque sendo muito simplista, retrata muito bem como nos sentimos no dia a dia.

Não percebi porquê, mas todos os links originais da autora estão bloqueados, por isso deixo aqui uma transcrição integral duma tradução idónea.

"Christine Miserandino

A minha melhor amiga e eu estávamos no restaurante, a conversar. Como de costume, era muito tarde e estávamos a comer batatas fritas com molho. Como raparigas normais da nossa idade, nós passamos muito tempo no café quando andávamos na faculdade, e a maior parte do tempo passava-mos a falar de rapazes, música ou de coisas triviais, que pareciam muito importantes na época. Nós nunca falamos a sério sobre nada em particular e passávamos a maior parte do nosso tempo a rir.


Estava a tomar um dos meus medicamentos com um lanche, como sempre fazia, quando ela olhou para mim com um olhar estranho, em vez de continuar a conversa. Ela, de repente, então perguntou- me como era ter Lúpus e estar doente. Fiquei chocada, não só porque ela fez a pergunta de forma aleatória, mas também porque eu presumi que ela sabia tudo o que havia para saber sobre Lúpus. Ela foi comigo aos médicos, ela viu-me andar com uma bengala, e a vomitar na casa de banho. Ela tinha-me visto chorar de dor, o que mais havia para saber?



Eu comecei a divagar sobre comprimidos e dores, mas ela continuou a persistir, e não parecia satisfeita com as minhas respostas. Eu estava um pouco surpresa pois como ela foi a minha companheira de quarto na faculdade e amiga há anos, pensei que já sabia a definição médica de Lupus. Então ela olhou-me com uma cara que cada pessoa doente sabe bem, o rosto de pura curiosidade sobre algo que ninguém saudável pode verdadeiramente compreender. Ela perguntou o que se sentia, não fisicamente, mas como era ser eu, estar doente.

Enquanto tentava manter a minha compostura, olhei ao redor da mesa para ter uma ajuda ou orientação, ou pelo menos ganhar tempo para pensar. Eu estava a tentar encontrar as palavras certas. Como faço para responder a uma pergunta que eu nunca fui capaz de responder a mim mesma? Como posso explicar todos os detalhes de cada dia de forma eficaz, e explicar com clareza as emoções que uma pessoa doente passa. Eu poderia ter desistido, dizer uma piada como eu costumo fazer, e mudar de assunto, mas eu lembro-me de pensar, se eu não tentar explicar isto, como poderia esperar que ela entendesse. Se não consigo explicar isto para a minha melhor amiga, como poderia explicar o meu mundo a mais alguém? Eu tinha que pelo menos tentar.

Naquele momento, nasceu a teoria colher. Peguei rapidamente em todas as colheres sobre a mesa, e também as colheres das outras mesas. Olhei-a nos olhos e disse: "Aqui vai, tu tens Lupus". Ela olhou-me um pouco confusa, como qualquer um faria quando lhes estão a ser entregues um bouquet de colheres. Enquanto as agrupava, as colheres de metal frio tiniram nas minhas mãos, e coloquei-as nas suas.           

Expliquei que a diferença entre estar doente e ser saudável é ter que fazer escolhas ou pensar conscientemente sobre elas, quando o resto do mundo não tem. O ser saudável tem o luxo de uma vida sem escolhas, um presente que a maioria das pessoas toma por garantido.




A maioria das pessoas começa o dia com uma quantidade ilimitada de possibilidades e energia, para fazer o que elas desejam, especialmente os jovens. Na maioria das vezes, eles não precisam de se preocupar com os efeitos de suas açcões. Então, para a minha explicação, eu usei colheres para transmitir este ponto. Eu queria algo que ela pudesse realmente manter, para eu depois tirar, já que a maioria das pessoas que fica doente sente uma "perda" de uma vida que elas conheciam. Se eu estava no controlo de lhe tirar as colheres, então ela iria saber qual é a sensação de ter alguém ou alguma coisa, neste caso Lúpus, em controlo.


Ela pegou nas colheres com excitação. Ela não entendeu o que é que eu estava a fazer, mas ela está sempre pronta para uma brincadeira, então eu acho que ela pensou que eu estava a preparar uma piada de algum tipo, como costumo fazer, quando falo sobre assuntos delicados. Saberia ela o quão sério eu iria ser?

Pedi-lhe para contar as suas colheres. Ela perguntou porquê, e eu expliquei que quando se é saudável espera-se ter uma fonte interminável de "colheres". Mas quando tu tens de planear o teu dia, precisas saber exactamente com quantas "colheres" estás a começar. Não existe a garantia de que tu não vais perder alguma ao longo do caminho, mas pelo menos ajuda saber com o que estás a começar. Ela contou 12 colheres. Ela riu e disse que queria mais. Eu disse que não, e soube imediatamente que este pequeno jogo iria funcionar, quando ela olhou desapontada, e nós ainda nem tínhamos começado. Eu tinha querido mais "colheres" durante anos e ainda não tinha encontrado uma forma de obter mais, porque deveria ela? Eu também lhe disse para ela estar sempre consciente de quantas tinha, e não deixá-las cair porque ela nunca se pode esquecer que tem Lupus.

Pedi-lhe para fazer uma lista das tarefas do seu dia, incluindo as mais simples. Quando, ela recitou tarefas diárias, ou as coisas divertidas para fazer, eu expliquei que cada uma lhe custaria uma colher. Quando ela ditou, como a sua primeira tarefa da manhã, ficar pronta para trabalhar, eu interrompi-a e tirei-lhe uma colher. Praticamente passei ao “ataque”. Eu disse: "Não! Não podes simplesmente te levantares. Tens de abrir os teus olhos, e então perceberes que estás atrasada. Tu não dormiste bem na noite anterior. Tens de rastejar para fora da cama, e então tens que fazer algo para comer antes de qualquer outra coisa, porque se não fizeres isso, não podes tomar o teu medicamento, e se não tomares o medicamento tu podes desistir de todas as tuas colheres para hoje e também para amanhã." Rapidamente lhe tiro uma colher e ela percebe que ainda nem sequer se vestiu. Banho custa uma colher, apenas para lavar o cabelo e fazer a depilação. Os altos e baixos no início da manhã podem realmente custar mais do que uma colher, mas eu pensei em dar-lhe um desconto, não queria assustá-la imediatamente. Vestir custou outra colher. Parei-a e pormenorizei cada tarefa para lhe mostrar como cada pequeno detalhe precisa de ser pensado. Tu não podes, simplesmente vestir qualquer tipo de roupa, quando estás doente. Eu expliquei-lhe que eu tenho que ver quais as roupas que consigo vestir, se as minhas mãos doerem naquele dia os botões estão fora de questão. Se tenho hematomas naquele dia, preciso usar mangas compridas, e se estiver com febre preciso de uma camisola para ficar quente e assim por diante. Se o meu cabelo está a cair preciso gastar mais tempo para estar apresentável, e então tu precisa de ter outros 5 minutos em consideração, para se sentir mal porque demorou 2 horas para fazer isso tudo.

Eu acho que ela estava a começar a entender quando, teoricamente, ainda não chegou ao trabalho, e só lhe restavam 6 colheres. Eu então expliquei-lhe que ela precisava de escolher com sabedoria o resto do seu dia, pois quando as suas "colheres" acabam, elas acabam mesmo. Às vezes, tu podes pedir emprestada uma "colher", de amanhã mas basta pensar o quão difícil amanhã será com menos "colheres". Eu também precisava de explicar que uma pessoa que está doente vive sempre com o pensamento iminente que amanhã pode ser o dia em que se apanha uma constipação, uma infeçcão, ou qualquer outro número de coisas que podem ser muito perigosas. Então, tu não queres ficar com poucas "colheres", porque nunca sabes quando realmente vais precisar delas. Eu não queria deprimi-la, mas precisava ser realista, e, infelizmente, estar preparada para o pior é parte de um dia real para mim.

Nós percorremos o resto do dia, e ela lentamente aprendeu que falhar o almoço lhe custaria uma colher, bem como estar de pé no comboio, ou mesmo teclar no seu computador por muito tempo. Ela foi forçada a fazer escolhas e a pensar sobre as coisas de forma diferente. Hipoteticamente, ela teve que optar por não fazer recados, para que pudesse comer o jantar naquela noite.

Quando chegamos ao fim do seu dia de mentira, ela disse que estava com fome. Eu resumi que ela tinha que comer o jantar, mas só tinha uma colher. Se ela cozinhasse, não teria energia suficiente para limpar os pratos. Se saísse para jantar, ela podia estar muito cansada para conduzir de volta casa com segurança. Então eu também expliquei, que não me preocupei em adicionar a este jogo, que ela estava tão enjoada, que cozinhar estava provavelmente fora de questão. Então, ela decidiu fazer uma sopa, que era fácil. Eu disse que eram apenas 19h00, que tinha o resto da noite, mas talvez fosse melhor acabar com uma colher, para que pudesse fazer algo divertido, limpar o apartamento, ou fazer as tarefas, mas não podia fazer tudo.

Era raro vê-la emocionada, então quando a vi chateada eu soube que talvez tivesse conseguido com que ela entendesse. Não queria que a minha amiga ficasse triste, mas ao mesmo tempo eu estava feliz por pensar, que finalmente, talvez, alguém me entendia um pouco. Ela tinha lágrimas nos seus olhos e perguntou em voz baixa "Christine, como consegues? Tu realmente fazes isto todos os dias?" Eu expliquei que alguns dias são piores do que outros, que em alguns dias eu tenho mais colheres do que na maioria. Mas eu nunca posso fazer isso ir embora e nem me posso esquecer disso, tenho que pensar sempre sobre isso. Entreguei-lhe uma colher que estava a segurar desde o início como reserva. Eu simplesmente disse: "Eu aprendi a viver a vida com uma colher extra no bolso, como reserva. Tu precisas de estar sempre preparada."

É difícil, a coisa mais difícil que eu já tive de aprender é a desacelerar, e não fazer tudo. Eu luto até hoje. Eu odeio sentir-me deixada de fora, tendo que optar por ficar em casa, ou para não fazer as coisas que eu quero. Eu queria que ela sentisse aquela frustração. Eu queria que ela entendesse, que tudo para os outros vem tão fácil, mas que para mim são cem pequenos trabalhos em um só. Eu preciso pensar sobre o tempo, sobre a minha temperatura naquele dia, e nos planos do dia todo, antes que eu possa ter qualquer coisa como certa. Enquanto as outras pessoas podem simplesmente fazer as coisas, eu tenho que enfrentar e fazer um plano como se eu estivesse a preparar uma guerra. É nesse estilo de vida, que está a diferença entre estar doente e saudável. É a bonita capacidade para não pensar e só fazer. Eu sinto falta dessa liberdade. Eu sinto falta de não ter que contar "colheres".

Depois de um momento emocional e falarmos sobre isso por um pouco mais de tempo, eu sentia que ela estava triste. Talvez ela tenha finalmente compreendido. Talvez tenha percebido que nunca poderia honestamente e verdadeiramente dizer que entendia. Mas, pelo menos, ela agora não pode reclamar muito quando eu não posso sair para jantar em algumas noites, ou quando eu nunca consigo ir a casa dela e ela tem sempre de conduzir até à minha. Eu dei-lhe um abraço quando saímos do restaurante. Eu tinha uma colher na minha mão e disse: "Não te preocupes. Eu vejo isto como uma bênção. Eu fui forçada a pensar sobre tudo o que faço. Tu sabes quantas colheres as pessoas desperdiçam todos os dias? Eu não tenho espaço para desperdiçar tempo, ou desperdiçar "colheres" e eu escolhi para passar este tempo contigo."

Desde aquela noite, tenho usado a teoria da colher para explicar a minha vida a muitas pessoas. Na verdade, a minha família e amigos referem-se às colheres a qualquer altura. Tem sido uma palavra de código para o que eu posso e não posso fazer. Uma vez que as pessoas entendem a teoria da colher elas parecem entender-me melhor, mas também acho que elas vivem a sua vida um pouco diferente. Eu acho que não é boa apenas para entender a Lupus, mas para qualquer deficiência ou outro tipo doença. Felizmente, eles não têm tudo como garantido na sua vida em geral. Eu dou um pedaço de mim, em todos os sentidos da palavra, quando faço qualquer coisa. Tornou-se uma piada privada. Eu tornei-me famosa por dizer às pessoas, a brincar, que elas dever-se-iam sentir especial quando eu passo tempo com elas, porque elas têm uma das minhas "colheres".

http://jovenspfibromialgiapt.blogspot.lu/2013/09/a-teoria-da-colher.html

8 de novembro de 2015

Rotinas

Quem tem Fibromialgia sabe melhor que ninguém, as mudanças que temos que fazer no nosso dia a dia, nas nossas rotinas e como temos de as adaptar à nossa nova condição. Para mim aceitar a doença não é atirar-me para o sofá (como se eu pudesse fazer isso sem gemer de dor nos 5 minutos seguintes!) e lamentar-me o dia todo e deixar de viver a vida só porque tenho uma doença crónica. Aceitar, para mim é sabermos adaptar-nos às circunstâncias, boas ou más, depende sempre da nossa perspectiva. 

Eu aprendi a aceitar aquilo que não posso mudar e a ser eu a adaptar-me às mudanças. Quanto a mim, sofremos menos pois de nada serve estarmos o dia inteiro a lamentar (coitadinha de mim e coitadinhos daqueles que convivem comigo). Essa energia que gastamos a estar sempre no nhãnhãnhã, faz-nos falta para chegarmos ao resto do dia, minimamente capazes de o aproveitar.

Eu confesso que mudei, não sei se para melhor ou pior, nem isso me preocupa. Mudei para conseguir gerir tudo isto, sem deixar de ser um ser vivo, sem deixar de ser mulher. Passei a ver muitos copos meio cheios e a ver menos copos vazios. A bem da minha (já pouca) sanidade mental.

A Fibromialgia condiciona e muito, a execução de simples tarefas, de coisas que fazíamos sem sequer reflectir mas que a partir dum dado momento, exigem algum tipo de ginástica, sobretudo mental, para as conseguir gerir e executar. Não é fácil, e todos os dias vamos descobrindo as nossas limitações em executar as tarefas mais básicas.

Quem é alheio a isto tudo não faz ideia da ginástica que se faz todos os dias só para sair de casa e das mudanças que são necessárias fazer para a coisa se processar da forma mais normal possível. Mas não é o fim do mundo, há que manter o espírito aberto e tudo parece menos penoso.

COMEÇAR O DIA

Pois! 
Eu era uma típica "morning person". Bastava abrir um olho e começar o dia. Levantava-me num ápice, duche rápido,  tomava o pequeno-almoço, despachava a filha e em pouco mais de meia hora estava na rua. Isso era o "antes"! 

Agora (e partindo do pressuposto que consegui dormir alguma coisa), acordo...de olhos fechados, pois o camião que me atropela todas as noites, chega sempre antes de eu sequer os abrir. Depois estou ali um bocado a tentar perceber quais são as partes do corpo que não me doem. Se pensar ao contrário, já nem me apetece levantar.

Lá consigo arrastar-me até ao wc e é a primeira pausa que faço, sentada na sanita (sim podem rir). Mas para sair da cama, andar até ao wc e sentar, é preciso uma dose reforçada de energia matinal, que a esta hora ainda não sei por onde anda.

A seguir, tomar o pequeno-almoço para poder tomar os suplementos naturais. A esta hora ainda não tomo o analgésico, pode ser que ainda não precise (tão ingénua que eu sou!). Tento fazer o pequeno-almoço o mais rápido possível para poder voltar a sentar-me. Normalmente, depois do pequeno-almoço é preciso fazer mais uma pausa e esticar o esqueleto. A esta hora ainda não percebi muito bem se ainda não despertei ou se ainda estou cansada da noite sem dormir. Também não importa muito, porque não consigo mesmo mexer-me, né?

O duche! Ah, a primeira luta mental do dia! Se não tenho que sair de casa, fico sempre tentada a ficar de pijama o dia todo. Assim como assim, ninguém me vai ver mesmo, certo? Errado! Não preciso de reagir para provar aos outros, mas para me superar a mim mesma. Há dias que nem isso consigo, mas também não convém facilitar. E logo agora, que há algumas semanas, comecei a transpirar desalmadamente e a acordar com o pijama todo encharcado. Nah! O duche não escapa mesmo!

Não sei como é com as outras pessoas, mas eu não consigo estar muito tempo debaixo do duche ou com a água muito quente. A água quente relaxa-me mas de uma tal maneira que fico sem reacção. Por isso prefiro tomar um duche "normal" e vestir-me.

Eu disse "vestir-me", não foi? Mais um stress! Nunca fui muito selectiva na minha roupa, sempre privilegiei o conforto, mas desde que tenho isto que a roupa antes confortável, agora aperta, irrita, incomoda e quase sempre me visto e dispo várias vezes antes de me decidir definitivamente pela roupa a vestir (isto quando não a tenho que ir mudar ao fim de 1 ou 2 horas porque a reacção foi mais tardia)

Os "acabamentos" também eram uma odisseia. Pentear agora é mais fácil porque deixei de o esticar e passei a adoptar um estilo mais natural (o que equivale a meter uma noz de espuma e passar os dedos pelo cabelo e está feito!) Lavar os dentes, creme hidratante no rosto e já está. Deixemos as bases e maquilhagens para dias especiais, tá? Primeiro porque já não tenho pachorra e depois porque depois do duche transpiro tanto, que tenho que esperar o meu corpo voltar à temperatura normal. Espero só o tempo suficiente para poder colocar o creme hidratante...pronto, vá, e uma BB creme se estiver para aí virada.

A esta hora, se tiver que sair, já nem tenho vontade nenhuma porque só me apetece voltar para a cama. Mas a vida continua e eu não quero perder pitada...

ROUPAS E CALÇADO

Sempre gostei de roupa confortável, mas também nunca virei costas a umas botinhas de salto, a umas roupas mais justas ou a uma lingerie mais....enfim, mais sedutora!

Com o tempo passei a ser muito mais selectiva, sobretudo na qualidade dos materiais. Sempre tentei comprar o mais natural possível, mas "antes de" se eu gostasse muito de um artigo e não fosse de algodão ou pele, não vinha mal ao mundo se eu comprasse e usasse. Mas isso era "antes de...", agora a primeira coisa que faço é escolher os materiais. Tornei-me quase cliente VIP duma marca de roupa, não é demasiado cara, mas os materiais são de qualidade. Mas cada um sabe de si. 

Passei a usar mais calças com elastano porque permitem maior flexibilidade, mas aderi também às leggings. Uso umas que modelam a figura e são também "push-up"e não ficamos com aquele ar de saco de batatas. Fica tudo bem arrumadinho, atrevo-me até a dizer que fica mesmo muuuuito bem arrumadinho! Isto porque há dias em que nem as calças com elastano eu consigo suportar, e cintos então nem consigo olhar para eles.

Camisolas também são um berbicacho. Tenho um peito grande e não gosto de usar nada muito agarrado ao corpo, nem a minha pele suportaria.  Uso sempre túnicas ou blusas com decote em V, isto porque ficam bem tanto com calças como com leggings. Acontece-me estar já vestida e ter que trocar a parte de baixo. Se tiver a parte de cima adaptável, não é preciso mudar. Também gosto de usar esse tipo de blusas porque têm botões por dentro das mangas para poder arregaçar quando começo a transpirar. Camisolas de lã ou semelhantes, nem pensar em usar. Aqui é tudo aquecido no final do verão e roupas muito quentes são insuportáveis. Ah, golas altas também já não consigo usar. fazem-me sentir sem ar. E materiais só algodão ou sedas. Fibras, nem pensar! E sem esquecer que tenho que cortar todas as etiquetas de tudo e passar as peças por água porque já fiz uma alergia a uma blusa que não lavei antes de ser usada. Sim, sou esquisita, eu sei!

Sempre gostei de écharpes e de lenços, pois permitem completar uma combinação de roupa sem me chatear muito. Não me pesa no pescoço, ao contrário dos colares e depois porque permitem uma adaptação à temperatura ambiente e/ou à minha temperatura corporal. Se estiver calor, abro o lenço ou guardo-o atando-o à alça da mala. Se estiver mais fresco, e se tiver que tirar o casaco, posso usá-lo sobre os ombros e já não passo frio. Não deixo de ser vaidosa e de gostar de me arranjar.

Relativamente ao calçado, também passei a ter mais cuidado. Mas para mim é a decisão mais fácil, ou uso ténis ou uso calçado das gamas especiais de conforto. Já lá vai o tempo em que sapatos confortáveis eram sinónimo de sapatos horrorosos. Conforto sim, mas também convém manter a personalidade. Calçado com saltos agora só mesmo em ocasiões especiais e durante muito pouco tempo. Não há nada mais desconfortável do que sentir os pés apertados, ou senti-los a queimar. Mesmo que não doa mais nada, quando me doem os pés, fico com a sensação de que me dói tudo.

Meias sempre usei só de algodão, mas agora também tenho que estar atenta aos elásticos, pois acontece-me inchar de um momento para o outro e quando isso acontece, é por todo o corpo.

Quanto à roupa interior, passei a ter de usar só roupa sem costuras. Mesmo de algodão ou de microfibra, há dias em que nem isso suporto. E quando estou em casa, e estou num dia complicado, nem uso. Soutiens também passei a usar sem aros, e mesmo assim às vezes incomodam-me. Passei a usar mais soutiens de desporto, o problema é que nos dias maus tenho dificuldade em vesti-los e a despir. Muitas vezes tenho de os tirar pelos pés...em vez de pedir ajuda! E não menos importante, continuo a usar lingerie mais....atrevida, mas essa guardo para momentos especiais. Doente sim, mas bem viva!

O essencial no meio disto tudo é não perder a calma e aos poucos vamos sabendo conviver com todas estas mudanças e intuitivamente vamos conseguindo perceber aquilo que nos é nocivo. Mas nada de entrar em desespero. Um dia de cada vez é só o que é preciso para se poder aproveitar a vida, seja de que forma for.

5 de novembro de 2015

Marcha nórdica

Até à data não me posso queixar quanto aos técnicos que me acompanham. A minha médica assistente, quando me diagnosticou e medicou, enviou-me na hora para a consulta de Reumatologia. E depois de quase 2 meses à espera, lá fui eu toda contente. Se por um lado, sabia que não ia ouvir nada que já não soubesse ou que me desse alguma esperança quanto à futura qualidade de vida, por outro lado ia expectante, pois acredito sempre que tudo tem um lado bom, e podia ser que a médica me desse algumas dicas úteis.


Depois de me ouvir minuciosamente e de tomar as suas notas, observou-me. Fez-me executar alguns exercícios de coordenação, de equilíbrio, de resistência e apalpou os chamados "pontos de gatilho" tão próprios da Fibromialgia.


No fim, confirmou que, de facto se podia falar dum quadro de Fibromialgia, mas que iria fazer uns exames (análises clínicas) para despiste de outras patologias. Mandou-me continuar com a medicação (Cymbalta, Lyrica e o analgésico e anti-inflamatório), porque segundo ela, era a mais adequada para a situação. Eu ainda lhe comecei a dizer que esta medicação não me aliviava nada, mas que sentia bastante os efeitos secundários. Disse-me que tinha que insistir porque "era mesmo assim". Ok, calei-me porque percebi que a intenção dela era boa, a minha vontade de me enfrascar em medicamentos que me deixavam noutra dimensão, é que não.


Deu-me as recomendações da praxe: não me enervar, não exceder os meus limites mas também não me deixar abater, fez questão também de reforçar a ideia de que não tinha cura. A tudo disse que sim, mas com uma vontade de a mandar para outro planeta. Com o tempo percebi que é muito fácil dar conselhos aos outros, quando não estamos na pele deles....médicos incluídos! Mas adiante. Disse-me para fazer caminhada ou bicicleta. Bicicleta eu disse que não tinha. "Não tem, compra!" (Certo) Mas depois disse-me para começar pela caminhada , mas com bastões, a chamada marcha nórdica. Explicou-me os benefícios e como a executar e confesso que tem sido uma mais valia. Recomendou-me também umas sessões de psicomotricidade, das quais falarei mais adiante e que sem dúvida mudaram a minha percepção desta coisa toda.


Nesse dia fui logo comprar os bastões, de fibra de carbono como me recomendou e desde então, as minhas caminhadas passaram a ser menos penosas. Eu sou daquelas pessoas que ao fim de meia hora de caminhada, fico com as mãos inchadas. E depois da companhia da Fibro, ao fim de alguns minutos começo a ter dores nas ancas, na coluna lombar e depois vêm as dores nos joelhos, nos pés, e depois... só me apetece atirar-me para o chão!



Como em tudo o que faço, fui pesquisar sobre esta tal marcha estranha. Consiste numa marcha executada com a ajuda de bastões concebidos especialmente para este efeito. Os bastões permitem uma projecção mais rápida para a frente e obrigam a trabalhar toda a musculatura, ao contrário da marcha simples que incide mais nos músculos dos membros inferiores. Os bastões são orientados com as pontas para trás e não na vertical à frente do corpo. Os movimentos são os mesmos como os executados no ski de fundo. A marcha torna-se mais rápida e menos cansativa.


Este desporto é bastante completo pois actua em quase todos os grupos musculares e sem provocar grandes atritos. Seja qual for a idade, ou a condição de vida ou saúde, existe sempre uma fórmula adaptada e pode ser executada de acordo com as capacidades de cada um, em função dos seus objectivos e resistência física.


Tal como a médica recomendou, é preciso saber escolher os bastões, tanto na questão da altura, como na questão do peso e durabilidade. Disse-me para comprar uns de fibra de carbono pois são mais leves do que os de alumínio e mais resistentes. (E mais caros também!) Quanto à altura, disse-me que quando os estivesse a segurar, o meu cotovelo deveria formar um ângulo de 90º (como na figura ao lado). Mas se tivesse dúvidas, para pedir ajuda a um assistente de loja. Eu preferi não arriscar e pedi ajuda!

Os benefícios desta actividade desportiva são bastante vastos:

- Diminui o mau colesterol

- Diminui a diabetes tipo II

- Diminui a pressão arterial

- Melhora a qualidade de vida de asmáticos

- Melhora a frequência cardíaca em repouso

- Ajuda na prevenção da osteoporose e fortalecimento dos ossos

- Contribui para o fortalecimento das articulações




Eu sou menina pouco dada ao desporto mas assumo que fazer este tipo de caminhadas me faz muito bem. Consigo fazer cerca de 5 kms (pode não ser muito, mas para mim é) e sem grande esforço. Para mim, a grande vantagem dos bastões é poder apoiar-me durante a caminhada quando tenho que parar um pouco, sobretudo nos dias em que as pilhas estão muito fracas.

Comparativamente à caminhada dita normal, o que eu sinto é que consigo andar mais, mais tempo, com menos esforço e no fim não sinto dor em lado nenhum, pois sinto que me alivia muito a carga na coluna lombar, ancas, joelhos e pés. Sinto apenas o cansaço natural da actividade em si.

Bem,, não quero passar a ideia errada de que faço isto todos os dias. Eu gostava de conseguir todos os dias, gostava muito. mas nos dias muito maus, já fico feliz só de sair de casa quanto mais pensar em fazer caminhadas. Tenho a sorte de ter uma amiga que me acompanha, infelizmente só aos fins de semana, mas acaba por ser benéfico para as duas, pois assim parece que não custa tanto. Tento fazer 2 ou 3 vezes por semana, e a mais não me comprometo porque o meu corpo tem lá as manhas dele e muitas vezes troca-me as voltas. Também ajuda morar numa zona muito verde à beira-rio com zonas pedestres apropriadas para este efeito e sempre com a companhia de patos, cisnes e outros animais, assim o tempo o permita. Como gosto sempre de reforçar, nem tudo é mau, certo?

4 de novembro de 2015

Dói-me tudo!

Dói-me o corpo todo!

Quem tem Fibromialgia conhece bem esta expressão. E não há nada mais irritante do que quando nos perguntam onde dói e como dói. Talvez eu esteja a ser injusta (e outras vezes acho que até sou bipolar), pois se por um lado quero fazer entender como e onde me dói, por outro lado queria que o soubessem sem eu ter de o dizer. Confuso, né? Pois eu também acho... 

Mas se eu não estou bem, também tenho que entender que quem me rodeia também quer ajudar seja de que maneira for. E para que me entendam, tenho que me fazer entender e ser o mais clara possível. 

Se para mim é desconcertante sentir tanta coisa diferente, imagino como será difícil para quem nos rodeia e nos ama, saber entender o que sentimos para melhor nos apoiar.

Por isso tentei catalogar os diferentes tipos de dor, baseado no que eu sinto. Mas cada um terá as suas interpretações.


AGULHADAS - Estas dores aparecem em qualquer parte do corpo e a qualquer momento. Ainda não encontrei nenhum padrão para me poder orientar e prevenir-me, e talvez nunca o encontre. Sinto estas dores nas articulações e aparecem nas horas mais inoportunas. No meu caso, afecta-me mais a anca e ombro do lado esquerdo.
A brincar, costumo dizer que alguém se anda a divertir a alfinetar o meu corpo.




SENSAÇÃO DE QUEIMADO - No meu caso, afecta-me mais a nuca, pescoço, ombros e costas. Começa com uma sensação de ardor a meio dos ombros e espalha-se pelo resto do corpo. Por vezes até me sinto febril, mas quando vou tirar a temperatura, está tudo normal. É uma dor constante e muito incomodativa e mesmo que descanse, demora a aliviar (quando alivia).






DORMÊNCIA - É como se tivesse estado na mesma posição durante horas, mas aparece de repente. Por vezes vou-me levantar da cadeira ou do sofá e não sinto as pernas ou uma articulação. E dói bastante quando tento fazer força. Tento sempre levantar-me com cuidado, fazendo atenção para me apoiar nos dois pés de forma a perceber se está tudo em ordem. Mas confesso que já tenho recorrido a ajuda para poder começar a andar.




FORMIGUEIRO - Parece que tenho bichinhos a andar pelo corpo e é uma sensação muito incomodativa. De verão, quando o corpo estava mais descoberto, passava o tempo a passar a mão na zona onde sentia isso, como se estivesse a sacudir uma mosca. Outras vezes, é uma sensação de cabelo agarrado ao corpo e chego a incomodar a filha para ela me ver se tenho ali alguma coisa agarrada.








ESMAGAMENTO - É uma dor que sentimos quando apoiamos qualquer parte muscular, quer seja sentada ou deitada. Ao fim de alguns momentos, a parte do corpo que está em contacto com a cadeira, cama ou sofá, começa a doer como se estivesse a ser esmagado, como se já estivesse há horas nessa posição. Esta dor, no meu caso, aparece com mais frequência quando estou em crise, em que tudo toma proporções desmesuradas e tudo complica. Em outras situações, se prolongo a minha posição (porque sou teimosa e acho sempre que a dor é psicológica) chego a sentir náuseas e dores de cabeça.







HIPERALGESIA - Quando a sensação de dor é sentida de forma exacerbada aquando dum estímulo doloroso. Acontece, por exemplo, quando vou a andar e bato com o corpo em qualquer lado, não sinto de imediato a dor, mas ao fim de alguns segundos, ela chega de forma lancinante. Acontece também quando estou a brincar com a filha, que já tem 15 anos e é mais alta do que eu e se senta no meu colo, ou se deita ao meu lado e coloca uma perna ou braço sobre mim. Tenho consciência que o que me dói e como me dói, não é proporcional à força que foi feita. Ao princípio a filha ficava muito constrangida porque dizia que não tinha feito força, mas agora já percebeu e quando se senta ao meu colo, fá-lo com muito cuidado. (Assumo que por muitas dores que tenha a seguir, continuo a adorar que ela se sente ao meu colo e se deite ao meu lado!)





CONTRACTURAS - Por vezes, quando estou à mesa, sinto partes do meu corpo com vida própria. Por vezes é um dedo, outras vezes, um braço, outras vezes são zonas de pele no meio do nada. Sinto contracturas musculares, nevrálgicas e às vezes até brincamos com isso. A zona onde acho menos piada, é quando acontece com o olho. 





Bem, só agora depois de descrever isto tudo é que me apercebi da complexidade da dor, e só estou a falar da dor. Compreendo que não seja difícil para os de fora, entender o que sentimos, pois o mal-estar varia tanto e tão rápido que se torna difícil encontrar um padrão. Mas o que vou descobrindo e que o padrão desta síndroma é mesmo não ter padrão nenhum, cada dia é um dia, cada momento, é um momento.

Se no início, demorei a assumir esta mudança na minha vida, agora já vou aceitando. Para mim, aceitar, não é resignar-me e ter pena de mim própria, mas sim aceitar que é uma condição que me vai acompanhar para o resto da vida e tenho que viver em conformidade com isto, ao meu ritmo e às minhas necessidades.

C.M.

3 de novembro de 2015

Medicação

Eu tenho uma opinião muito própria no que diz respeito a medicamentos. Se por um lado acredito que eles existem para nos ajudar e aliviar, por outro acho que acabam por ser uma dependência, sobretudo em situações como a Fibromialgia. Os sintomas podem ser tão variados e mudam de intensidade e de frequência a um tal ritmo desconcertante que se torna difícil acertar na combinação adequada.
ATENÇÃO: o que vou contar e as decisões que tomei, foram única e exclusivamente da minha responsabilidade. Cada um faz a medicação que se adapte melhor a si e assume as suas decisões. Estas foram as minhas.



PRIMEIRA MEDICAÇÃO

Considero-me uma pessoa com sorte, sobretudo depois de saber que há tanta gente com diagnósticos errados e com anos e anos de medicação desnecessária. Apesar de ter dores musculares, problemas de sono e outros afins desde há alguns anos, entre sentir "aquela" fadiga que não nos larga dia e noite, a síndroma de intestino irritável e outras tretas, passaram somente meia dúzia de meses. Tive uma epicondilite no cotovelo esquerdo em Maio deste ano e no final de Junho, porque a sintomatologia não melhorava nem com a medicação (Voltaren), nem com o repouso absoluto, a minha médica assistente, foi peremptória: "o que você tem, é Fibromialgia!"

Fiquei meio em transe pois tinha conhecimento da doença, tinha até pessoas da família que a tinham, mas sempre achei (e mal, tá visto) que acontecia mais a pessoas fragilizadas emocionalmente, mais dadas a estados depressivos, coisa que eu não sou nada. Sempre fui autónoma, muito independente e sempre consciente das minhas decisões e acções. Assumir esta doença era assumir-me como frágil, não perante os outros, mas perante mim mesma.

Nesse dia, saí do consultório logo medicada com a dose da praxe e com indicações precisas:

- CYMBALTA - um anti-depressivo que estimula a produção de serotonina e  de noradrenalina. Está também indicado para a dor neuropática. 

- LYRICA - um ansiolítico também indicado para a dor neuropática e também para perturbações do sono.

- ALGOTRA - analgésico composto por tramadol e paracetamol (em Portugal o similar é o Zaldiar)

- CELECOXIB - anti-inflamatório não-esteróide similar ao Celebrex (em Portugal)

Depois de termos falado sobre os sintomas, perspectivas futuras e expectativas, disse-me que estes medicamentos eram os indicados para esta situação.


EFEITOS INDESEJÁVEIS

Passei pela farmácia, qual menina aplicada e assim que cheguei a casa fui pesquisar sobre os medicamentos, para que serviam e seus efeitos secundários. Mas pronta a assumi-los. Nunca me passou vir um dia a tomar anti-depressivos, mas nunca fui de virar costas a um desafio e agora não seria diferente. Passei o dia a pesquisar sobre a doença, sabendo de antemão que não tinha ainda cura, pois nem sequer se sabiam as causas. 

Durante esse dia, tomei o analgésico e anti-inflamatório- As dores aliviaram um pouco com o analgésico mas o mau-estar e cansaço, mantinham-se. à noite tomei o Lyrica e posso afirmar que essa noite foi uma das noites mais terríficas da minha vida. Tive pesadelos tão reais que achei que ia enlouquecer. Transpirei, tive arritmias e quando acordei, demorei algum tempo a perceber que tinha sido o meu cérebro a trabalhar a noite toda. Entre não dormir ou dormir assim, confesso que naquele momento, a decisão era óbvia. Mas queria dar uma oportunidade ao medicamento, pois não queria dar razão ao meu subconsciente e decidi voltar a tomá-lo mais uma vez.

Nessa manhã tomei o Cymbalta e durante a manhã fui sentindo náuseas vómitos, tonturas, parecia que "não era eu". Era uma sensação muito estranha, mas também percebi que era do medicamento. Nessa manhã tive uma sessão de fisioterapia e estava desejosa de chegar a casa para me poder deitar. Estava ainda mais cansada do que antes mas decidi que tinha de ser assim.

Voltei a tomar o Lyrica, como me tinha proposto fazer e a experiência repetiu-se. Ok, duas vezes chega, e decidi pô-lo de lado. Era muito pior estar nesse sofrimento a noite toda do que não dormir.


DECISÕES

Andei a pesquisar e percebi que quase todos os medicamentos deste tipo tinham estes efeitos secundários e sem garantias de melhorar os sintomas. Pronto, o Lyrica era já carta fora do baralho.

Os dias foram correndo e melhoras, nenhumas. Passava os dias a dormir, dias e noites. Era consequência do Cymbalta. Sentia falta de ar, taquicardia, tonturas constantes, os meus intestinos deixaram de funcionar, o meu aparelho urinário andava completamente descontrolado e a minha libido estava morta. Dei conta que, além de não me sentir aliviada de nenhuma das minhas queixas, ainda me sentia pior do que antes. Tinha dores, estava constantemente cansada e passava os dias a dormir. A filha saía de casa e chegava, e eu dormia. Não, isto não seria o resto da minha vida!

Uma manhã, e ao fim de quase 3 semanas de tomar o Cymbalta, deixei de o tomar. Nesse dia, senti-me mais "eu" e gostei da sensação. No dia seguinte também não tomei e ao fim do dia senti um desconforto, agoniada, com tonturas, mas não dei importância pois já era costume. Mas ao terceiro dia e nos dois seguintes, arrependi-me amargamente de ter deixado de tomar o maldito comprimido. Não conseguia estar de pé, porque me sentia cair, vomitava quando me levantava, tinha dores de cabeça lancinantes.  Em conversa com um amigo, percebi que estava de ressaca do medicamento. Estive quase, quase para o voltar a tomar, tal era a indisposição, mas pensei que, já que tinha chegado até aqui, não iria voltar atrás. E de facto nos dias seguintes, esses sintomas foram aliviando.

Rapidamente percebi que eu tinha que me manter afastada deste tipo de medicamentos e tinha que me dedicar a outro tipo de terapias. E foi das melhores decisões que tomei, relativamente à doença.

Há todo um mundo para descobrir e eu estava somente a destapar o véu.