Quem tem Fibromialgia sabe melhor que ninguém, as mudanças que temos que fazer no nosso dia a dia, nas nossas rotinas e como temos de as adaptar à nossa nova condição. Para mim aceitar a doença não é atirar-me para o sofá (como se eu pudesse fazer isso sem gemer de dor nos 5 minutos seguintes!) e lamentar-me o dia todo e deixar de viver a vida só porque tenho uma doença crónica. Aceitar, para mim é sabermos adaptar-nos às circunstâncias, boas ou más, depende sempre da nossa perspectiva.
Eu aprendi a aceitar aquilo que não posso mudar e a ser eu a adaptar-me às mudanças. Quanto a mim, sofremos menos pois de nada serve estarmos o dia inteiro a lamentar (coitadinha de mim e coitadinhos daqueles que convivem comigo). Essa energia que gastamos a estar sempre no nhãnhãnhã, faz-nos falta para chegarmos ao resto do dia, minimamente capazes de o aproveitar.
Eu confesso que mudei, não sei se para melhor ou pior, nem isso me preocupa. Mudei para conseguir gerir tudo isto, sem deixar de ser um ser vivo, sem deixar de ser mulher. Passei a ver muitos copos meio cheios e a ver menos copos vazios. A bem da minha (já pouca) sanidade mental.
A Fibromialgia condiciona e muito, a execução de simples tarefas, de coisas que fazíamos sem sequer reflectir mas que a partir dum dado momento, exigem algum tipo de ginástica, sobretudo mental, para as conseguir gerir e executar. Não é fácil, e todos os dias vamos descobrindo as nossas limitações em executar as tarefas mais básicas.
Quem é alheio a isto tudo não faz ideia da ginástica que se faz todos os dias só para sair de casa e das mudanças que são necessárias fazer para a coisa se processar da forma mais normal possível. Mas não é o fim do mundo, há que manter o espírito aberto e tudo parece menos penoso.
COMEÇAR O DIA
Pois!
Eu era uma típica "morning person". Bastava abrir um olho e começar o dia. Levantava-me num ápice, duche rápido, tomava o pequeno-almoço, despachava a filha e em pouco mais de meia hora estava na rua. Isso era o "antes"!
Agora (e partindo do pressuposto que consegui dormir alguma coisa), acordo...de olhos fechados, pois o camião que me atropela todas as noites, chega sempre antes de eu sequer os abrir. Depois estou ali um bocado a tentar perceber quais são as partes do corpo que não me doem. Se pensar ao contrário, já nem me apetece levantar.
Lá consigo arrastar-me até ao wc e é a primeira pausa que faço, sentada na sanita (sim podem rir). Mas para sair da cama, andar até ao wc e sentar, é preciso uma dose reforçada de energia matinal, que a esta hora ainda não sei por onde anda.
A seguir, tomar o pequeno-almoço para poder tomar os suplementos naturais. A esta hora ainda não tomo o analgésico, pode ser que ainda não precise (tão ingénua que eu sou!). Tento fazer o pequeno-almoço o mais rápido possível para poder voltar a sentar-me. Normalmente, depois do pequeno-almoço é preciso fazer mais uma pausa e esticar o esqueleto. A esta hora ainda não percebi muito bem se ainda não despertei ou se ainda estou cansada da noite sem dormir. Também não importa muito, porque não consigo mesmo mexer-me, né?
O duche! Ah, a primeira luta mental do dia! Se não tenho que sair de casa, fico sempre tentada a ficar de pijama o dia todo. Assim como assim, ninguém me vai ver mesmo, certo? Errado! Não preciso de reagir para provar aos outros, mas para me superar a mim mesma. Há dias que nem isso consigo, mas também não convém facilitar. E logo agora, que há algumas semanas, comecei a transpirar desalmadamente e a acordar com o pijama todo encharcado. Nah! O duche não escapa mesmo!
Não sei como é com as outras pessoas, mas eu não consigo estar muito tempo debaixo do duche ou com a água muito quente. A água quente relaxa-me mas de uma tal maneira que fico sem reacção. Por isso prefiro tomar um duche "normal" e vestir-me.
Eu disse "vestir-me", não foi? Mais um stress! Nunca fui muito selectiva na minha roupa, sempre privilegiei o conforto, mas desde que tenho isto que a roupa antes confortável, agora aperta, irrita, incomoda e quase sempre me visto e dispo várias vezes antes de me decidir definitivamente pela roupa a vestir (isto quando não a tenho que ir mudar ao fim de 1 ou 2 horas porque a reacção foi mais tardia).
Os "acabamentos" também eram uma odisseia. Pentear agora é mais fácil porque deixei de o esticar e passei a adoptar um estilo mais natural (o que equivale a meter uma noz de espuma e passar os dedos pelo cabelo e está feito!) Lavar os dentes, creme hidratante no rosto e já está. Deixemos as bases e maquilhagens para dias especiais, tá? Primeiro porque já não tenho pachorra e depois porque depois do duche transpiro tanto, que tenho que esperar o meu corpo voltar à temperatura normal. Espero só o tempo suficiente para poder colocar o creme hidratante...pronto, vá, e uma BB creme se estiver para aí virada.
A esta hora, se tiver que sair, já nem tenho vontade nenhuma porque só me apetece voltar para a cama. Mas a vida continua e eu não quero perder pitada...
ROUPAS E CALÇADO
Sempre gostei de roupa confortável, mas também nunca virei costas a umas botinhas de salto, a umas roupas mais justas ou a uma lingerie mais....enfim, mais sedutora!
Com o tempo passei a ser muito mais selectiva, sobretudo na qualidade dos materiais. Sempre tentei comprar o mais natural possível, mas "antes de" se eu gostasse muito de um artigo e não fosse de algodão ou pele, não vinha mal ao mundo se eu comprasse e usasse. Mas isso era "antes de...", agora a primeira coisa que faço é escolher os materiais. Tornei-me quase cliente VIP duma marca de roupa, não é demasiado cara, mas os materiais são de qualidade. Mas cada um sabe de si.
Passei a usar mais calças com elastano porque permitem maior flexibilidade, mas aderi também às leggings. Uso umas que modelam a figura e são também "push-up"e não ficamos com aquele ar de saco de batatas. Fica tudo bem arrumadinho, atrevo-me até a dizer que fica mesmo muuuuito bem arrumadinho! Isto porque há dias em que nem as calças com elastano eu consigo suportar, e cintos então nem consigo olhar para eles.
Camisolas também são um berbicacho. Tenho um peito grande e não gosto de usar nada muito agarrado ao corpo, nem a minha pele suportaria. Uso sempre túnicas ou blusas com decote em V, isto porque ficam bem tanto com calças como com leggings. Acontece-me estar já vestida e ter que trocar a parte de baixo. Se tiver a parte de cima adaptável, não é preciso mudar. Também gosto de usar esse tipo de blusas porque têm botões por dentro das mangas para poder arregaçar quando começo a transpirar. Camisolas de lã ou semelhantes, nem pensar em usar. Aqui é tudo aquecido no final do verão e roupas muito quentes são insuportáveis. Ah, golas altas também já não consigo usar. fazem-me sentir sem ar. E materiais só algodão ou sedas. Fibras, nem pensar! E sem esquecer que tenho que cortar todas as etiquetas de tudo e passar as peças por água porque já fiz uma alergia a uma blusa que não lavei antes de ser usada. Sim, sou esquisita, eu sei!
Sempre gostei de écharpes e de lenços, pois permitem completar uma combinação de roupa sem me chatear muito. Não me pesa no pescoço, ao contrário dos colares e depois porque permitem uma adaptação à temperatura ambiente e/ou à minha temperatura corporal. Se estiver calor, abro o lenço ou guardo-o atando-o à alça da mala. Se estiver mais fresco, e se tiver que tirar o casaco, posso usá-lo sobre os ombros e já não passo frio. Não deixo de ser vaidosa e de gostar de me arranjar.
Relativamente ao calçado, também passei a ter mais cuidado. Mas para mim é a decisão mais fácil, ou uso ténis ou uso calçado das gamas especiais de conforto. Já lá vai o tempo em que sapatos confortáveis eram sinónimo de sapatos horrorosos. Conforto sim, mas também convém manter a personalidade. Calçado com saltos agora só mesmo em ocasiões especiais e durante muito pouco tempo. Não há nada mais desconfortável do que sentir os pés apertados, ou senti-los a queimar. Mesmo que não doa mais nada, quando me doem os pés, fico com a sensação de que me dói tudo.
Meias sempre usei só de algodão, mas agora também tenho que estar atenta aos elásticos, pois acontece-me inchar de um momento para o outro e quando isso acontece, é por todo o corpo.
Quanto à roupa interior, passei a ter de usar só roupa sem costuras. Mesmo de algodão ou de microfibra, há dias em que nem isso suporto. E quando estou em casa, e estou num dia complicado, nem uso. Soutiens também passei a usar sem aros, e mesmo assim às vezes incomodam-me. Passei a usar mais soutiens de desporto, o problema é que nos dias maus tenho dificuldade em vesti-los e a despir. Muitas vezes tenho de os tirar pelos pés...em vez de pedir ajuda! E não menos importante, continuo a usar lingerie mais....atrevida, mas essa guardo para momentos especiais. Doente sim, mas bem viva!
O essencial no meio disto tudo é não perder a calma e aos poucos vamos sabendo conviver com todas estas mudanças e intuitivamente vamos conseguindo perceber aquilo que nos é nocivo. Mas nada de entrar em desespero. Um dia de cada vez é só o que é preciso para se poder aproveitar a vida, seja de que forma for.