3 de março de 2017

PALEO...O que é isso?

Quando me falaram na alimentação paleo e nos reflexos que esse tipo de alimentação poderia ter na minha qualidade de vida, reagi da mesma forma que a maioria das pessoas reage perante o desconhecido: "Paleo? Quem consegue viver com tamanha restrição alimentar? Como é possível viver sem pão ou cereais, ou sem tudo aquilo a que nos habituámos a comer?"

Primeiro reagi com cepticismo porque na minha cabeça, já estava tão limitada na minha saúde e qualidade de vida, que inibir-me conscientemente de comer aquilo que (julgava eu) me trazia algum conforto, ainda me iria deixar mais triste e reprimida. Mas infelizmente (ou felizmente, vejo isso agora), as dores contínuas e persistentes 24h/dia, o mau-estar constante, as noites repetidamente mal dormidas e as manhãs pontuadas de rigidez muscular e articular, levaram a que começasse a ler mais sobre isto. A vida que eu levava nos últimos meses, e o vislumbre a longo prazo do que seria a minha vida dali para a frente, se não fizesse nada, levaram-me a querer saber mais e a pesquisar sobre os benefícios deste tipo de alimentação. Porque não tentar? Que teria a perder? Só poderia ganhar com uma alimentação mais limpa, certo?


NO QUE CONSISTE A PALEO?


A ideia base da dieta paleo inspira-se na alimentação através da qual a espécie humana evoluiu pela maior parte da sua história até ao surgimento da agricultura. A nossa genética estará completamente adaptada a este tipo de alimentação e não ao tipo de alimentação mais recente. Depois do surgimento da agricultura, a nossa saúde mudou drasticamente com a introdução dos grãos e leguminosas na alimentação diária. Como se isso não bastasse, óleos vegetais, xaropes de frutose, conservantes, estabilizantes, corantes e substâncias similares, tornaram as pessoas mais gordas, mais diabéticas, mais doentes. Hoje sabemos que as doenças estão fortemente ligadas ao  nosso estilo de alimentação e vida "modernas".

Assim sendo, que tipo de alimentação adoptar, para que possamos eventualmente regenerar o nosso organismo? Em que consiste efectivamente a alimentação paleo?

  • Carnes de animais preferencialmente alimentados a pasto
  • Peixes e frutos do mar
  • Ovos, preferencialmente de galinhas de campo
  • Vegetais e hortaliças - todos os vegetais e verduras são permitidos, quanto mais verdes, melhor, mas é preciso ter algum cuidado no consumo de batata (dar preferência à batata doce), beterraba e abóbora, já que possuem um baixo valor nutricional em comparação com a quantidade de amidos
  • Frutas frescas
  • Frutos secos
  • Sementes
  • Gorduras de boas proveniências, tais como azeite, banha, óleo de côco, etc.
Não devemos esquecer a hidratação diária através de água ou chás sem açúcar.

O que NÃO se deve consumir:
  • Alimentos processados 
  • Açúcar refinado
  • Cereais 
  • Leguminosas (sim, amendoim incluido)
  • Óleos vegetais refinados
  • Junk/fast food
  • Produtos lácteos (se bem que algumas vertentes defendam o consumo de lacticínios tais como queijo, iogurte grego ou nata, privilegiando a sua gordura natural)
Posto isto, e para quem só agora tem contacto com este tipo de alimentação, pensa que é uma alimentação altamente redutora e limitada e que rapidamente leva a rotina e saturação. Errado! Depois de começar, apercebemo-nos que, com o tempo o nosso corpo (e seus vícios) vai mudando e vamos necessitando de fazer menos refeições por dia, pois só se come quando há fome, e não de 3 em 3 horas como sempre fomos levados a acreditar. E aí sim, sentimos uma liberdade tremenda e apercebemo-nos que não fomos feitos para viver para comer, mas sim de comer para viver.

COMO COMEÇAR?


Depende de cada um. Depende de como encaramos esta mudança de vida. Depende dos objectivos a que nos propomos.

No meu caso, e porque fui numa de "deixa-cá-ver-no-que-isto-vai-dar", não estabeleci nenhum dia específico para começar. Sempre gostei de legumes, frutas, carne e peixe por isso não foi difícil. Comecei por privilegiar esse tipo de alimentos mais naturais e acabei de consumir os produtos menos bons e nada aconselhados que tinha em casa. Sim, a vida custa a todos, e deitar comida fora, vai contra os meus princípios. Assim, fui fazendo uma mudança gradual, deixando de comprar aquilo que não devia e aumentando o consumo de alimentos mais simples e limpos.

Os pequenos-almoços passaram a ser de ovos, carne, legumes, verduras, fruta, coisa que até então eu considerava impensável, pois o meu pãozinho da manhã e o leite com café fizeram parte de todas a manhãs da minha vida até então. Asseguro que não custou nada, pois verifiquei que ficava sem fome e que me aguentava muito mais tempo sem comer, ao contrário do que acontecia anteriormente.

Inicialmente e até há bem pouco tempo, consumi também lacticínios através de queijos mais curados, natas ou iogurte com gordura na sua forma mais natural. Por decisão própria, deixei os lacticínios há pouco tempo e após passado o período de "desmame", considero que foi uma decisão acertada.

RESULTADOS VERSUS EXPECTATIVA

As minhas expectativas não eram muito altas pois, se por um lado eu queria mesmo sentir-me melhor, por outro e com tudo o que a indústria farmacêutica nos leva a acreditar, pensava que pouco ou nada iria alterar o meu estado clínico.

Errado mais uma vez! Apesar de sempre me ter recusado a tomar a suposta medicação adequada e recomendada para a minha patologia, sempre me recusei a tomar as drogas mais pesadas. Anti-depressivos e relaxantes musculares só fizeram parte da minha vida durante 3 semanas (logo após o diagnóstico) e chegou bem para perceber que a solução do meu problema não passava por recorrer a esse tipo de medicação. Mas assumo que tomava todos os dias um analgésico mais forte pois sem ele, eu não era funcional. E mesmo assim, tinha dias em que não conseguia tomar duche sozinha, ou pentear-me ou levar o garfo à boca.

Assim, ao fim de cerca de 2 semanas, acordei um dia mais bem disposta. Com menor rigidez articular pela manhã que os fibromiálgicos tão bem conhecem e demorei muito menos tempo a estar "operacional". Até então, desde que acordava, até poder sentir-me gente, podaria demorar até cerca de 2 horas. Nesse dia, não senti necessidade de tomar o analgésico porque o desconforto ainda era "suportável". O dia foi passando e acabei por não tomar nada. No dia seguinte, a mesma sensação de alívio, e no dia seguinte, e no dia seguinte...e assim continuou. Não voltei a tomar a medicação do costume. Não sabia de onde vinham as melhoras e estava sempre à espera de recair, pois era assim a rotina a que estava habituada.

Mas com o tempo, a fadiga constante começou a desanuviar, aquela sensação de peso nos ombros e cervical que tão bem conhecemos, começou a atenuar, aquela sensação de queimado constante na pele começou a ser cada vez mais suportável e as dores e rigidez começaram lentamente a desaparecer. Dei conta que as noites passaram a ser muito mais calmas e com sonos mais tranquilos. Logicamente que a minha energia voltou e finalmente via uma luz ao fundo do túnel e era possível ter uma vida "normal", ou o mais normal possível.

Iniciei há cerca de 1 ano e assumo que foi um renascer das cinzas. Não se pense que curei, mas sinto que a minha vida tem outra cor. A cor duma vida mais liberta, sem dores, sem cansaço constante e sem as frustrações que daí advêm. Não que me preocupasse com a opinião dos outros ou de como os outros me viam, mas sim das frustração própria que advém da perspectiva duma vida confinada a dor e sofrimento.

Sim, volta e meia tenho crises, mas são perfeitamente suportáveis sem recorrer a qualquer tipo de medicação mais pesada. Quando estou mais cansada ou com menos energia, abrando um pouco o ritmo, recorro à minha meditação e exercícios respiratórios e tudo volta aos eixos.

Que fique claro que não pretendo converter ninguém a este tipo de alimentação, nem tão pouco dar explicações técnicas ou científicas, pois tenho perfeita noção dos meus limites e de certeza que encontram informação bem mais específica disponível. Pretendo tão-só partilhar a minha experiência e como ela se repercutiu na minha saúde e rotina diária.

Para os mais cépticos e que acreditam que nada vai mudar nas suas vidas e que não passam sem a sua medicação de estimação, só posso recomendar que tentem, que saiam da vossa zona de conforto, que sejam mais pro-activos na vossa saúde e mas que sobretudo assumam as consequências das vossas decisões. 

21 de fevereiro de 2017

Virar a página

Estive algum tempo afastada deste blog por várias razões, sendo que a principal foi mesmo o ter melhorado toda a sintomatologia que esta doença provoca. Deixei de me identificar com o que publicava, pois as dores e cansaço constantes, ficaram lá atrás e deixaram de estar tão presentes no meu dia-a-dia.

Pensei várias vezes fechar o blog, mas depois achei que, tal como eu fui ajudada, também eu poderei eventualmente ajudar outras pessoas a encontrar um pouco de alívio nas suas rotinas e nas suas vidas.

Não, não descobri a cura milagrosa, e não, não tomei nenhuma nova droga experimental. A solução passou por....alimentar o meu corpo como ele merece!

Há cerca de um ano, uma amiga (ela sabe quem é) falou-me na dieta paleo. Como curiosa que sempre fui, fui pesquisar e quando dei conta de que neste tipo de alimentação não se consome nenhum tipo de cereal, alimento processado ou açúcar refinado, nem mesmo leguminosas ou lacticínios, pensei "Q'horror!!! Alguma vez eu vou deixar de comer o meu pãozinho que tão bem me sabe? Já não basta ter estes problemas de saúde todos que tanto me limitam, e ainda vou deixar de comer o que me dá prazer? O pouco prazer que ainda tenho na vida???"

Pois! Pensei, mas pensei mal. Depois de estar bastante tempo em crise, demasiado tempo em crise, e a ver que não tinha fim, decidi voltar a pesquisar. E lá descobri uma outra vertente da alimentação paleo, a primal, que permite o consumo moderado de produtos lácteos (queijo e iogurtes). Achei que, depois de ter lido bastante sobre a ação inflamatória que alguns alimentos podiam provocar, talvez (eu disse talvez) pudesse tentar. Não tinha nada a perder, já tinha a minha qualidade de vida tão reduzida, que consumir alimentos mais limpos só poderia trazer-me benefícios.

Lembro-me que inicie alguns dias antes da Páscoa de 2016. E passadas 2 semanas, acordei um dia sem dores. Achei estranho e pensei que, tendo acordado sem dores, não tardariam a aparecer e em força, como era hábito. Só que não! Passou aquele dia, e o seguinte, e mais outro e senti que só podia ter sido da alimentação. Comecei a ler cada vez mais para tentar perceber de que forma variados tipos de alimentos desempenham também variados papeis no nosso organismo. Mas sobretudo percebi que, deixar de consumir grãos e derivados e produtos processados, fizeram "A" diferença.

Com o tempo, comecei a verificar que o cansaço desapareceu quase por completo, as noites bem dormidas tinham voltado mas sobretudo as dores tinham-se desvanecido. As dores que sentia eram as mesmas que sentia quando estava sob o efeito do analgésico. Os dias foram passando e assim me tenho mantido até hoje. Não posso dizer que nunca mais tenha tido dores, porque as tive. Tive também algumas crises pontuais, mas tão "suaves" (se assim se podem chamar as dores) que eram suportáveis mesmo sem medicação. Exceptuando uma situação provocada por um episódio de nevralgia cervico-braquial, não voltei a tomar qualquer tipo de droga, mesmo analgésico.

Não pretendo com este texto doutrinar ninguém, mas assim como uma alimentação limpa mudou a minha vida, mudou muitas outras também. Cada vez existem mais relatos de pessoas que, tal como eu, recuperaram a qualidade de vida e que se deve única e exclusivamente à mudança de hábitos. Para mim, nunca foi solução estar dependente de medicação e lamentar-me da "sorte" que me tinha calhado. Teria de ser pro-activa da minha vida, mas sobretudo da minha saúde.

E por essa razão, e também porque era questionada pela razão da minha ausência, que decidi continuar este blog numa outra vertente, tentando aliar alimentação e hábitos de vida saudável à minha/nossa situação clínica, mas sobretudo das repercussões que esses mesmos hábitos podem ter na nossa saúde em geral. É possível ter Fibromialgia e/ou outras doenças associadas (no meu caso também recebi de brinde a Síndrome de Sjogren) e ter qualidade de vida....e ser feliz!

6 de janeiro de 2016

O que NÃO deve dizer a um doente crónico

Quem sofre de uma doença crónica, e neste caso, de FM, sabe bem como é difícil gerir o dia a dia. Os dias são sempre diferentes, e por muito que eu brinque com a situação, dizendo que assim não há monotonia, certo é que tenho dias em que me sinto perdida no meio das dores, do cansaço, do sono, ou da falta dele...isto só para abreviar! 

Não que eu tenha necessidade de me justificar seja a quem for, mas se eu própria tenho dificuldade em entender esta nova situação (e de ME entender também), calculo que não seja fácil ser entendido por quem nos rodeia. Sobretudo quando "temos tão bom ar"...

Doenças invisíveis não se detectam quando olhamos para alguém pois não afectam a aparência, mas afecta o funcionamento do corpo, a vários níveis. Todos os dias. E para o resto da vida.

Eu até entendo que não seja por mal que as pessoas digam determinadas coisas, quanto mais não seja porque sentem que "devem" dizer alguma coisa. Estamos habituados a que, quando alguém está doente, esse doente melhore. O mesmo não acontece com uma doença crónica e isso é das coisas mais difíceis de aceitar (por quem sofre) e de entender (por quem acompanha).

Eis então uma lista de coisas que NUNCA se deve dizer a um doente crónico:
  
- Não pareces doente!

Nem todas as doenças têm de ter sinais exteriores. O facto de um doente crónico (tentar) levar a sua vida o mais normal possível, não significa que esteja bem. Significa que se recusa a entregar-se à doença e tenta viver com ela o melhor que pode. 

- És demasiado nova para estares sempre doente!

Se eu soubesse isso antes, teria mostrado o meu bilhete de identidade à FM, podia ser que ela se recusasse a entrar! Agora a sério, quando dizem isto, até parece que foi uma coisa que nos apeteceu ter. Não há idade para nada. A doença aparece quando tem que aparecer e ser-se jovem, não significa que o corpo esteja imune a todas as maleitas. Quando alguém diz isto a um doente crónico, ainda o faz sentir culpado por estar doente, como se já não bastasse todas as sensações e sentimentos com que tem de lidar no quotidiano. 


- Toda a gente se cansa!

Verdade. Mas a maior parte das pessoas que está cansada por falta de sono, consegue recuperar depois de dormir umas horas. O que não acontece com quem tem FM. Uma saída com amigos, por exemplo, pode ser sinónimo de passar uma semana quase de cama para recuperar. É um cansaço sentido a um nível que mesmo que o tem, não o consegue explicar. Eu, assumo, não consigo! Como explicar que nos sentimos exaustos só por estarmos 15, 20 ou 30 minutos à mesa? Como fazer entender que temos que nos deitar depois de um banho? Quem está no mesmo barco, sabe que não é nada fácil gerir as tarefas mais básicas, de forma a equilibrar a energia despendida e poder chegar ao fim do dia, com um mínimo de sopro de vida.

- Todos temos dias maus!

Acredito que quem diz isso, tem o intuito de nos fazer sentir melhor. Acreditem, NÃO FAZ! Ouvido do lado da cá parece que estão a relativizar tudo o que sentimos. Tendo em conta o esforço que fazemos diariamente para sair da cama, sair minimamente arranjada e tentar levar uma vida aparentemente normal, quando ouvimos isso, o que sentimos é um desencorajamento total.

- Deve saber bem ficar em casa!

Aff! Esta mata-me! Claro que sabe bem, quando temos saúde, de ficar um ou dois dias em casa, a ver tv ou a ler. Mas quando nos encontramos forçados a ficar em casa por não sermos capazes de ir trabalhar, mesmo que o quisessemos, a história muda de figura. Ninguém gosta de se sentir incapaz, ninguém gosta de se sentir inútil. Toda a gente gosta de se sentir independente e autónoma.

- Tens de fazer mais exercício!

Ahã! Tentem fazer exercício quando até o cabelo dói... Sabemos que o exercício é benéfico nas doenças crónicas, mas há dias em que simplesmente não dá. Eu tento caminhar todos os dias, se não for em modo exercício, é em modo de compras ou de voltas a dar. Tento sempre fazer o máximo de percurso a pé, mas confesso que tenho dias em que não me apetece sequer mexer. Nesses dias, tento fazer exercícios em casa, além dos alongamentos diários, para não me sentir presa. Mas cada pessoa tem o seu ritmo e a sua forma de reagir perante as situações. O importante é que seja respeitada.

- Tens que pensar positivo!

Todos sabemos a importância do pensamento no nosso dia a dia. Pensamentos negativos atraem situações negativas, pensamentos positivos atraem situações positivas. Certo! Mas é difícil pedir a alguém que sente dor até a escovar os dentes, para ter pensamento positivo, sobretudo porque tem que lidar com isso e tudo o mais, até ao fim da sua vida. Para mim, pensamento positivo, num dia bom, é poder aproveitá-lo o melhor que posso, pois sei que o dia seguinte pode ser diferente. Pensamento positivo num dia mau, é pensar que o dia de hoje também vai acabar, e que o dia seguinte, também pode ser diferente. Claro que  pensamento e atitude positivos ajudam muito numa doença crónica, mas infelizmente, não é a cura.

- Tens que reagir!

Sério?! Ouvindo isto, apetece-me atirar-me ao pescoço da pessoa que o disse. Até parece que alguém escolhe estar doente, e que gosta de estar doente?! Quem está do lado de lá, não faz ideia, da luta constante que enfrentamos diariamente e constantemente para tentarmos levar uma vida normal.   O que as pessoas não entendem, é que se ultrapassamos os nossos limites, repito, os "nossos" limites, pode significar, ir parar à cama.  Li algures que, pedir a alguém que tem doença crónica, para reagir, é o mesmo que dizer a um maratonista  que se esforce mais ainda no último quilómetro de corrida.

- Tens que ter paciência, vais melhorar!

Ok, acredito que quem diz isto, até tem boas intenções, mas para quem tem que aguentar uma doença crónica, PARA O RESTO DA VIDA, não é das coisas mais agradáveis de se ouvir. Pode melhorar sim, mas logo a seguir pode piorar. É assim, é crónico!

- Já tentaste...?

...acupunctura, dietas milagrosas, cristais da lua ou outra coisa qualquer? A não ser que venha de alguém que esteja a passar pelo mesmo ou que tenha credenciais clínicas, essas opiniões são desnecessárias. Até se saber a causa, tudo o que se possa fazer, será para aliviar os sintomas e não a causa. E cada um saberá o que é melhor para si. Não precisamos de palpites "sapientes". Eu recorro a aromaterapia, à reflexologia, à meditação, mas sou eu. Aceito que outras pessoas possam não sentir o mesmo alívio, mas cada um tem de fazer as suas próprias experiências e tirar as suas próprias conclusões.

- Isso é tudo da tua cabeça!

Felizmente não tive essa experiência, mas a maior parte dos doentes crónicos, sobretudo com FM, ouvem estes comentários dos seus técnicos de saúde. Mas tal como diz um dos terapeutas que me acompanha, "é-me indiferente se a dor vem da cabeça ou do braço ou da perna, se o doente diz que tem dores, o meu dever é aliviá-lo das dores." Até à data, senti-me sempre compreendida e apoiada por todos os técnicos que me acompanham, mas ouvir comentários destes de quem é suposto nos ajudar, é altamente desmotivante. E depois, como se não bastasse, continuar a ouvir isto "cá fora", é dose. Atenção, doença do sistema nervoso central, não é sinónimo de doença mental, deu para entender?

- Tens que sair mais de casa!

Claro que toda a gente gosta de uma mudança de rotina. mas se por um lado, pode ser uma coisas positiva, por outro lado, pode implicar uma mudança substancial nos movimentos e sobretudo de níveis de stress de um doente crónico. Por isso não vale a pena insistir com alguém para sair, pois só vai criar mais pressão sobre quem já tem tanto para se ocupar.

- Tomas demasiada medicação!

As opiniões quanto à medicação são bastante divergentes, mas tal como no que diz respeito a outros assuntos, a medicação tem de ser gerida pelo próprio doente. Eu experimentei várias drogas recomendadas e não me dei bem com nenhuma, mas pelo contrário, há muitas outras pessoas que toleram esse tipo de medicação. E se se sentem bem com ela, devem mantê-la. Quem tem doença crónica, tenta de tudo um pouco para se sentir aliviado dos seus sintomas. Seja com medicação convencional, seja com tratamentos alternativos, mas tal como já referi mais acima, cada um sabe de si. Do que ninguém precisa, é de opiniões reprovatórias, sobretudo quando vem de quem não tem a mínima noção do nosso dia a dia.



Agora que já sabem como nos sentimos quando ouvimos este tipo de comentários, talvez possam compreender um pouco melhor quem está ao vosso lado, seja companheira, amiga ou conhecida. A única coisa que se pede, é respeito pela dor do outro e compreensão e tolerância pelo que está a passar.
Mas lembrem-se, o melhor que podem dizer a alguém com doença crónica, é:

EU ACREDITO EM TI!

5 de dezembro de 2015

Vivendo...

FIBROMIALGIA – palavra que eu conhecia de nome, mas que estava longe de saber o que representava para quem convive com isto para o resto da vida. Como técnica de saúde, sabia em traços gerais que havia uma sensação de fadiga constante, de dor mais ou menos presente e sabia que estava directamente ligada ao sistema nervoso central. Ponto! O próprio conceito de “dor crónica” para mim, era qualquer coisa de exacerbado. Quem, na sua limitação humana seria capaz de suportar dores constantes, 24 sobre 24 horas? Pois…

As pessoas que conhecia serem portadoras de FM eram pessoas que aos meus olhos eram emocionalmente frágeis e sensíveis, logo, achava (mal) que era também uma forma de chamar a atenção ou de justificar a sua pouca vontade de reagir perante as adversidades.

Logo, quando a médica olhou para mim e disse que eu devia ter Fibromialgia, a minha primeira reação foi achar que ELA é que não estava bem. Como é que EU poderia ter Fibromialgia? Eu, que não sou nada dada a dramas e a achaques? Eu, que sempre fui lutadora e me considerei autónoma, independente e perfeitamente consciente do que sentia? Eu, que sempre achei que a nossa mente controla as nossas emoções, o nosso corpo, a nossa saúde?

Demorei uns segundos a processar, mas como em tudo o que faço, “depois do mal estar feito, é preciso viver em função de….” Para mim, depois daquele atordoamento inicial, ter este diagnóstico (ou outro qualquer que englobasse todos os sintomas que eu tinha até então) acabou por ser um alívio. Os últimos 20 anos foram marcados por sintomas isolados (perturbações do sono, dores musculares e articulares, perturbações do aparelho urinário e intestinal, etc) e nesse momento tudo fez algum sentido. Ou foi essa a forma que o meu subconsciente encontrou para me tranquilizar.


PONTOS DE VISTA

Depois do diagnóstico, pesquisei (e continuo a pesquisar) tudo o que diz respeito a esta nova amiga, tanto em termos de sintomas como de experiências com terapias alternativas, assim como acompanhar estudos feitos na compreensão desta síndroma…claro, sempre com a esperança de encontrar uma luz ao fundo do túnel, uma solução que possa tornar a nossa vida mais simples e mais leve.

No dia do diagnóstico, saí do consultório com o cardápio das drogas clinicamente autorizadas para enfrentar este desafio. Cardápio esse que segui pouco tempo, pois os efeitos secundários sobrepuseram-se largamente aos benefícios. Claro que há sempre quem diga que, se não faço medicação “pesada”, é porque não estou suficientemente doente…Ok, ainda bem então!

Como em tudo na vida, tento sempre ver o copo meio cheio em vez de lamentar o copo meio vazio. Inicialmente, aderi a vários grupos e páginas ligadas à FM e assumo que foi muito bom. Senti que afinal, não estava sozinha, e que o que sentia, afinal até fazia sentido, NESTE contexto. Eu pensava que o que sentia até ao diagnóstico, não se iria alterar, mas até nisso eu me enganei. Estão sempre a aparecer novos sintomas, novas situações com as quais temos que lidar e adaptar o meio exterior em função do que acontece dentro de nós.

Continuo a pensar que a nossa postura perante a vida, é meio caminho andado para ajudar a processar melhor esta treta toda e foi por essa razão que criei a página com o mesmo nome e posteriormente o blog. Não digo nada de novo, apenas me recuso a entregar-me a “ela” como se fosse o fim do mundo. Claro que tenho dores. Claro que tenho dias desesperantes em que apetece ficar na minha bolha e não ouvir nada nem ninguém. Mas também tenho outros em que sem saber como nem porquê, tudo tem outra cor, outro cheiro, e a vida parece normal.

Incomoda-me ver publicações dramáticas onde as pessoas parece que se esgrimem para ver quem se sente pior, para ver quem toma mais medicamentos, quem se sente mais incompreendida por quem os rodeia. E nos dias em que eu já não estou muito bem, ver comentários desse tipo deixa-me perplexa (estou a ser educada!) Obviamente que não é fácil viver com isto, mas gaita, ainda temos algum controle sobre as nossas emoções, ou não? Será assim tão difícil ver que mesmo assim, ainda temos momentos bons? Será que essas pessoas só têm momentos maus? 24 horas sobre 24?

Sim, tenho uma personalidade forte (para os mais cépticos, será certamente mau feitio), mas acredito piamente que se nos debruçarmos demasiado tempo sobre o que temos de pior nas nossas vidas, não nos damos espaço para valorizar os momentos que realmente importam. Tal como a minha terapeuta de psicomotricidade sugeriu, quando eu orgulhosamente lhe contei que fazia um diário com tudo o que sentia, dores que tinha, medicação que fazia, passei a tomar também nota dos momentos bons que tinha durante o dia. Mesmo que fosse só meia hora a ver um programa que me interessasse, ou 15 minutos a ouvir a minha filha contar-me o seu dia quando chegava a casa. Mas era importante valorizar todos os pequenos momentos felizes do dia a dia, mesmo que sejam 5 minutos, mas eram a esses que eu precisava de me agarrar e de valorizar.

Os momentos leves ou felizes são os que realmente importam pois são esses que nos definem como pessoa e que reflectem aquilo que somos. Pensar nos momentos de dor e estar sempre a pensar no que me dói e há quanto tempo me dói e nas outras limitações que tenho, é entregar-me à doença. E isso jamais o farei. Bem basta eu ter que lhe dar algumas tréguas quando já não dou uma para a caixa, mas é só temporariamente, até eu recuperar forças e voltar a ser “eu”.

Claro que não é fácil viver com isto. Perdi muita da minha espontaneidade, no sentido em que tudo o que faço, passou a ser perfeitamente racionalizado. Quando saio para as compras, tenho que levar tudo perfeitamente programado, de modo a não ser demasiado exigente para mim. Quando faço alguma coisa em casa, tenho que dosear tudo muito bem em termos de tempo e de esforço e descanso. E isso sim, é tremendamente desgastante. Não impossível, mas desgastante.

Não é fácil, para alguém como eu, estar por exemplo, a fazer uns biscoitos com a filha, e a meio ter de parar e ter me deitar 15 minutos até “recarregar as pilhas”. Ou depois de fazer uma refeição, estar sentada à mesa e não aguentar uma refeição normal sentada e ter de me deitar. Ou estar sentada à mesa e não conseguir sequer cortar a carne (de perú ou frango) e assumir que precisa de ajuda. Ou ainda, andar na rua a passear e de repente, precisar de me segurar porque tudo começou a andar á roda. Não é nada fácil, mas prefiro pensar que há coisas piores.

Apesar dos muitos momentos cinzentos, ainda tenho uma vida pela frente e muitos momentos bons para viver. Tenho uma filha maravilhosa que me apoia e entende, tenho pessoas que me são próximas que me compreendem e respeitam e em função disto, considero-me apesar de tudo, uma pessoa afortunada. Por eles mas sobretudo por mim, tenho o dever e o direito de viver o melhor que posso e que sei com todas estas mudanças, boas e menos boas. Eu não sou a doença, eu sou EU!

28 de novembro de 2015

Quando o meu cérebro não me obedece

Hoje apeteceu-me escrever mais um artigo e de manhã estava cheia de ideias. Aliás, é nesses dias que eu consigo escrever alguma coisa que faça sentido. De manhã, depois de uma noite para esquecer, fui apanhar um pouco de ar fresco (muito fresco vá) e ainda fiz uma caminhada de 6 kms com a filha. Depois de almoço, liguei o computador e as ideias não chegavam. 

Detesto quando isso acontece. E quanto mais eu me quero focar, menos consigo. Deve ser o que mais me incomoda neste processo todo. Sempre achei que tivesse boa memória e sempre me consegui organizar muito bem, sem ajudas nenhumas. Mas bom, há que acompanhar as mudanças e nestes momentos, aprendi que de nada vale stressar. Pus o computador de lado e fechei os olhos, com o intuito de fazer um pouco de meditação. Mas, foi tão "profunda" que adormeci. Quando acordei, nem me lembrei do blog. Fui tratar do jantar porque a vida continua.

Depois de arrumar a cozinha, olhei para o computador e lembrei-me porque o tinha ligado. Comecei outra vez a ficar irritada porque não me lembrava do que me tinha proposto escrever. Mas depois lembrei-me, porque não escrever sobre isto mesmo? Não prometo que saia daqui nenhuma obra literária hoje, mas é o que há, e se me propus escrever, é isso mesmo que vou fazer!

O chamado Fibro-fog (nevoeiro mental ou cerebral) é o que me faz sentir mais limitada. Mas em vez de me irritar com isto ou de sentir pena de mim própria, decidi brincar e rir-me de mim própria (assim como assim, boa já não estou, né?) Já percebi que de nada serve insistir em me lembrar do que me esqueço. A minha teoria é, se o pensamento se perdeu pelo caminho, há-de encontrar o caminho de volta...ou não!

Pelo que andei a pesquisar, três dos principais sintomas da FM têm um impacto negativo na nossa memória:

  • Perturbações do sono - Muitos de nós temos um sono de fraca qualidade (sim, estou a ser simpática), e sem um descanso apropriado, o cérebro não consegue absorver memórias para as relembrar mais tarde. Uma noite bem dormida, permite que o hipocampo  e o neocórtex (estruturas do cérebro que convertem a memória de curto prazo em memória de longo prazo) continuem a desempenhar as suas normais funções.

  • Ansiedade - Depressão e ansiedade têm um papel preponderante na FM e têm um grande impacto na nossa memória. Um estado nervoso ou em constante preocupação, pode ser extremamente desgastante para o nosso cérebro e interfere com a formação e processamento das nossas memórias. Sabemos, também por experiência própria, que levar uma vida mais tranquila possível, reduzindo estes desgastes mentais, melhoram significativamente o desempenho destas estruturas cerebrais.

  • Dor - Algumas pesquisas também já indicam que a dor crónica tem um impacto significativo no desempenho cerebral. A dor crónica implica um maior desgaste de todas as estruturas funcionais e emocionais do nosso cérebro, diminuindo bastante a sua qualidade na formação de memórias.

Alguns estudos apontam que a FM tem o mesmo efeito na nossa memória como se envelhecesse 20 anos de um momento para o outro. E quanto mais tarefas queremos desempenhar ao mesmo tempo, mais este desgaste se acentua. Mas nem tudo está perdido, eu pelo menos recuso-me a deitar a toalha ao chão (até porque depois não me conseguiria dobrar para a apanhar!) Existem alguns truques aos quais podemos recorrer que podem melhorar um pouco a nossa capacidade de memória, ou, evitar que se degrade tão rapidamente. Pequenos truques podem aumentar um pouco a nossa confiança e auto-estima, logo, só pode ter um impacto positivo no nosso dia-a-dia.



ALGUMAS DICAS

Apesar da perda de memória poder ser um problema que possa ser alvo de outras causas e de outros estudos, acredita-se que a perda de memória provocada pelo Fibro-fog não tenha as mesmas repercussões. As memórias não estão perdidas, apenas estão arrumadas fora do sítio e com algumas técnicas, acredita-se que podemos melhorar o acesso a estas memórias "perdidas". E alguns dos exercícios não são assim tão difíceis de colocar em prática, por isso de nada vale reclamar já que não tem tempo ou que é difícil pôr em prática.

  • Tomar nota daquilo que é importante - Eu sempre tive boa memória e nunca precisei de apontar datas de consultas ou tarefas pendentes. Mas o que foi, foi e há que saber viver em função, para evitar fazer figuras tristes. Já tive que ligar para consultórios a "confirmar" as datas e horas de consultas porque tinha uma ideia do dia, mas não conseguia lembrar-me das horas. Também cheguei a apontar em sítios que depois "desapareciam", em cantos de jornais e revistas, por exemplo. Agora tenho um caderninho que anda comigo para todo o lado. Está sempre num local acessível de forma a que o possa levar para a sala, ou para o quarto, ou para a rua. Aponto tudo, desde consultas, encontros com amigas, tópicos de conversa que quero abordar. Isto funciona um bocado como as cábulas que fazíamos na escola (bem...que eu fazia, vá) ao escrever o meu cérebro "guarda" melhor a memória e acabo depois por me lembrar do que escrevi, sem precisar de ir verificar. O problema é quando me esqueço mesmo de apontar, mas isso agora não interessa nada!

  • Fazer meditação - "Ah e tal, não consigo fazer meditação!" Pois, eu também dizia isso, e pior, não acreditava sequer que essa "coisa" pudesse ter algum impacto na nossa qualidade de vida. Pois o facto é que TEM MESMO! Não é preciso começar logo a entrar num estado de Nirvana, mas se eu consigo, qualquer pessoa consegue. Existem muitos vídeos na net aos quais podemos recorrer e praticar. Com pequenos exercícios e com alguma prática, vamos conseguindo "limpar" energias e sentimentos tóxicos que muitas vezes bloqueiam as nossas memórias e o desempenho adequado do nosso cérebro e sistema nervoso central. Mais tarde abordarei mais em profundidade este tema e como a meditação nos pode ajudar. Colocarei também alguns links que mais sigo, se até lá não me esquecer! O que noto é que nos dias em que faço meditação (ultimamente tenho feito quase todos os dias) sinto menos cansaço mental e sinto-me mais ágil em termos de raciocínio e capacidade de resposta de pensamentos e decisões.

  • Puzzles, jogos de palavras e de memória ou de raciocínio rápido, sudoku - É sabido que este tipo de jogos mantém o cérebro activo de várias formas. Seja pela associação de números, seja pela associação de figuras semelhantes ou cores, o importante é manter o cérebro activo. E sim, até os jogos do Facebook (tipo Candy Crush) podem ajudar, pois obriga o nosso cérebro a prever jogadas seja em número ou de cor. 

  • Ler - Eu sou suspeita porque sempre adorei ler e espero nunca perder esse gosto. A leitura obriga o nosso cérebro a relembrar palavras que nem sempre usamos no nosso dia-a-dia. Obriga-o também (no caso de ficção) a focar-se no enredo da história que estamos a ler e muitas vezes até a prever as cenas seguintes. 

  • Ver filmes ou séries estrangeiras - Sim, o meu hobby também me ajuda a manter-me activa mentalmente. Existem alguns estudos que afirmam que manipular duas línguas em simultâneo, activa exponencialmente a nossa actividade mental. Um dos truques consiste em ver filmes em inglês ou francês (ou noutra língua que se domine bem) e em simultâneo ler as legendas, ao mesmo tempo que ouve o que se diz na língua original. Isso obriga o nosso cérebro a reagir em estruturas diferenciadas permitindo uma maior ginástica e resposta mental.

  • Foco numa coisa de cada vez - De nada adianta eu querer fazer várias coisas ao mesmo tempo, pois sei de antemão que não o vou conseguir. E para depois ficar frustrada, mais vale nem sequer ir por aí. Agora faço uma coisa de cada vez, pois permite-me focar com mais atenção no que estou a fazer e só depois de acabar esta tarefa, é que penso na seguinte. 
Depois existem outros truques que alteram a nossa rotina habitual, desligando o piloto automático, mas que a médio/longo prazo aumentam a nossa destreza mental:


  • Andar pela casa de trás para a frente 
  • Vestir-se de olhos fechados
  • Usar o relógio de pulso no braço oposto
  • Ver as horas num espelho
  • Trocar o rato do computador de lado
  • Escovar os dentes com as duas mãos
  • Alterar os percursos rotineiros (quando vai trabalhar, às compras, etc)
  • Tentar escrever com a outra mão
Em suma, obrigar o nosso cérebro a confrontar-se com novos hábitos e novas rotinas. 

A FM interfere em muitas áreas da nossa vida diária, mas não tem que ser incapacitante. A solução é encarar isto como mais um desafio, só que neste caso, é um desafio que está em constante mutação, mas que nunca acaba.

21 de novembro de 2015

Os filhos também sofrem

Viver com Fibromialgia é bastante duro. É uma readaptação constante das nossas rotinas, de tudo aquilo a que estávamos habituados. É um ajuste constante entre aquilo que gostamos de fazer e aquilo que o nosso corpo permite, entre o que nos faz bem e faz mal, entre o que nos faz feliz ou e o que pode desencadear uma crise. Estamos constantemente a aprender a conhecer o nosso corpo e como ele funciona, o que nem sempre é fácil e óbvio.

O que mais custa gerir, é o dia-a-dia em momentos de crise. Eu ainda não consegui prevê-las e para uma pessoa que gosta de controlar tudo, sentir-se assim entregue ao acaso, não me agrada nada. Odeio estar “bem” e dizer que estou bem, pior…assumir que estou bem, e logo a seguir parece que se abre uma porta e zás, cai-me tudo em cima e tenho que abrandar o ritmo imediatamente. Parece que “a minha amiga” está à espera de me apanhar distraída para se manifestar, não vá eu esquecer-me dela…


Tudo isto já é suficiente para gerir mas torna-se ainda mais complicado quando temos crianças em casa. Confesso que se há dias em que me apetece estar na minha concha e não ter que ouvir ninguém, por outro lado, também acho que com os filhos e cuidar deles, também se torna um incentivo para que consigamos reagir. Bem, é mais fácil dizer do que fazer, mas aos poucos, chegamos lá…espero eu.

A minha já tem 15 anos e agradeço a filha que ela é. Não é fácil para mim, viver com FM, mas tenho consciência que para ela, ver-me com dores e em crise, também não é nada fácil. Ela não é muito expansiva verbalmente mas sempre que se apercebe que preciso de ajuda, disponibiliza-se imediatamente para me apoiar.

Quem tem FM sabe que temos altos e baixos, e se há dias em que nos conseguimos levantar e fazer a nossa higiene pessoal dentro dos parâmetros normais (para mim já equivale a ser um dia bom) e chegar ao fim do dia minimamente funcional, outros há em que levantar da cama é um desafio (estou a ser simpática) e o duche se assemelha a uma sessão de tortura, e estamos perante um dia para esquecer.


Como mãe, quero sempre o melhor para a minha filha, e isso inclui pô-la a par da doença e de como isso pode reflectir-se na nossa relação. Ela sempre foi muito emancipada emocionalmente e aprendi que de nada serve esconder-lhe as coisas porque ela, apesar de não o dizer, apercebe-se de tudo o que a rodeia.



INCLUIR OS FILHOS

A minha já é crescida mas com crianças mais pequenas, é preciso ter ainda mais cuidado. Cada um terá a sua forma de resolver a situação mas deixo aqui uns tópicos que podem ajudar:

- Evite palavras complicadas quando estiver a explicar as situações

- Resuma a sua nova situação o mais breve possível (a minha ao fim de 1 ou 2 minutos deixa de me ouvir)

- Abrace-os enquanto lhes explica a situação (dependendo das crianças)

- Assegure-as que ninguém tem culpa da sua doença  

- Esclareça-os que tem dias bons e menos bons só para não os assustar (a minha já se apercebe pelas manhãs de como vai ser o meu dia e nesses dias anda sempre mais de volta de mim)

- Diga-lhes que a doença não vai alterar em nada o quanto os ama

- Explique-lhes que podem ajudar ou que pode precisar da ajuda deles (eu nem preciso de pedir que a minha filha se disponibiliza logo, seja para me cortar a carne à mesa, para colocar água no meu copo, para me levantar ou para me ajudar a vestir, percebi com o tempo que é a forma dela se sentir útil)

- Explique-lhes que os abraços e toques agora passam a ser mais leves mas com o mesmo amor (tarefa mais difícil cá em casa porque ela estava habituada a dar-me grandes abraços e a deitar-se ao meu lado no sofá, ficando tipo salsichas e agora tem de ter muito mais cuidado…mas ainda diz “mas eu não fiz força nenhuma” quando me toca com um pouco mais de pressão e eu me queixo com dor)

- Mostre-se disponível para lhes explicar seja o que for relativamente à doença, quando algo lhes incomodar (no meu caso, relativamente à parte física não lhe faz confusão porque ela se apercebe, mas tenho que lhe relembrar por vezes a sensibilidade ao barulho, à luz, ao toque, as confusões mentais, etc)


Crie, com a ajuda deles, actividades em que eles podem executar para ajudar, dependendo das idades. Essas tarefas podem ser:

- Apanhar os seus brinquedos

- Ajudar a separar a roupa para lavar ou estender ou passar as molas

- Pôr a mesa

- Limpar o pó

- Aspirar


Pode também criar uma lista de actividades que podem fazer em conjunto nos dias “bons”:

- Jogos de mesa

- Pastas de modelar (descobri que pode ser muito relaxante moldar a massa, mas o que mais agrada à minha filha, apesar da idade que tem, nem é o que faço, mas sim estar ao lado dela a participar)

- Livros de colorir

- Passear ao ar livre

- Fazer penteados (a minha adora fazer-me penteados com tranças, ganchos)


Para os dias mais difíceis, crie uma lista de actividades de baixo impacto:

- Fazer pipocas e ver um filme

- Actividades que não seja requerida a sua presença constante

- Actividades que não sujem

Estas listas não têm limite e depende de cada criança e da sua idade. Depende também da relação que existia entre mãe e filho, antes da doença. 

De nada adianta nos fazermos de fortes e acharmos que somos autónomos e independentes, pois eles apercebem-se e sentem-se excluídos. Por isso o melhor é deixá-los ajudar como podem, pois ao ajudar, sentem que nos estão a aliviar um pouco do nosso tormento. Viver com FM é uma questão muito privada e cada um sabe melhor como geri-la, mas incluir quem nos rodeia e nos ama em todo o processo, torna tudo mais suportável. 

14 de novembro de 2015

A Internet

Nos dias que correm, o recurso à Internet e redes sociais tornou-se um acto absolutamente banal. Tudo se encontra à distância de um click, seja em casa, num computador, seja na rua, em qualquer lugar. Para a nossa geração, a vida é quase impensável ser vivida sem o recurso às novas tecnologias.

Confesso que demorei a aderir às redes sociais porque sempre achei que fosse um mundo meio estranho, onde tudo é permitido, onde tudo é partilhado, onde tudo parece ser o que não é. Porque sou curiosa, mas cautelosa, lá aderi, sem grandes euforias e sem grandes exposições.  Aderi a jogos, a grupos específicos, fiz amizades que passaram do virtual para o real, também já tive as minhas decepções, mas quem não as teve?

Desde que a Internet apareceu na minha vida, recorro sempre que possível ou necessário. Recorro para tirar receitas de culinária, para ler, para pesquisar actividades para fazer com a minha filha, para verificar horários de transportes...ou seja, creio que como com quase toda a gente, a internet passou a fazer parte do meu dia a dia.


DO LONGE SE FAZ PERTO

Desde que vim para o Luxemburgo passei a utilizar muito mais as redes sociais, por razões óbvias, para falar com a família e amigos. Entretanto veio o diagnóstico de Fibromialgia e a primeira coisa que fiz, foi aderir a um grupo de apoio. Descobri que aqui não existe nada relacionado, nem sequer associação de doentes, o que por um lado também não me surpreende, por ser um país muito pequeno. Aderi a um grupo português de doentes com Fibromialgia que me foi (e continua a ser) muito útil. Lá aprendi a identificar mais sintomas, coisas que sentia já há muito tempo mas que não fazia ideia que fazia parte do leque. Como por exemplo, comichões que eu tinha ciclicamente. Pensava que eram problemas de pele, apesar de nunca ter marcas exteriores. Ou aquela sensação irritante de ter a impressão de bichinhos a passear-me pela pele e não ter nada...Ou o esquecimento de palavras em plena discurso...Ou as mudanças de humor repentinas...

Senti-me compreendida entre iguais, se bem que não me identificava com relatos muito negativos. Mas isso já tem a ver com a minha personalidade...ou mau feitio, vá. Eu acho que bem basta termos dores o dia todo, sentir um cansaço que nunca nos larga, isto já para não falar do resto. Para quê estar sempre a bater na mesma tecla?

A minha terapeuta de psicomotrocidade ensinou-me alguns exercícios de respiração profunda que me ajudaram bastante a controlar o stress e a diminuir o seu impacto no meu corpo. Mas como não me contento com pouco, fui à procura de mais e dei comigo a pesquisar sobre meditação e auto-reiki. Procurei e pus em prática da melhor vontade possível. Posso dizer que tenho alguns links nos meus favoritos para recorrer sempre que necessito. Relativamente à meditação, tenho 2 aplicações no telemóvel para o efeito que me permitem por em prática em sítios públicos sem dar nas vistas. Quando estou no comboio, por exemplo, coloco os meus fones e oiço tranquilamente a música e faço um pouco de meditação. São 15 ou 20 minutos que não estaria a aproveitar para nada, mas que assim uso em meu benefício. Podem dizer que é por sugestão, mas resulta mesmo. Não é nenhum ovo de Colombo mas há que manter a mente aberta para todas as ferramentas existentes para nos ajudar.

Também descobri os benefícios da Reflexologia podal. Quando estou nos dias menos bons, antes de me deitar e ouvindo uma musiquinha calma, pratico o melhor possível o que aprendi na net e sinto que me alivia nas dores e consigo dormir um pouco melhor. Obviamente que não poderei afirmar que é a mesma coisa do que recorrer a um profissional, mas todos sabemos que ao estimular zonas reflexas no nosso corpo, só pode trazer alívio. E também, se não fizer nenhum efeito reflexo, ao menos ficamos com os pés bem massajados e hidratados...e no meu caso, sabe-me sempre bem.

Foi também através da internet que aprofundei os meus conhecimentos de aromaterapia. Uma terapia natural e sem grandes efeitos secundários, mas também com grandes benefícios no nosso bem estar físico e psíquico. Já falei nisto anteriormente e continuo a utilizar e por em prática. Eu utilizo o óleo essencial de lavanda para relaxar e dormir melhor (à noite) e o óleo essencial de limão para revitalizar e diminuir um pouco a fadiga (de manhã)

Também descobri o conforto que é poder fazer compras on-line. Não é por falta de tempo, mas muitas vezes pelo estado do tempo em si. E é tão prático encomendar livros, roupa ver filmes e outras coisas, sem sair de casa. Sobretudo no nosso caso, quando por vezes é difícil, vestir e sair de casa...e ver pessoas...e ouvir barulho...confusões...para quê, se posso fazer isso tudo sem sair do sofá?

Mas uma das melhores coisas que a internet me traz, sobretudo através das redes sociais, é o de poder comunicar com pessoas de quem gosto. Não sou muito de nhãnhãnhãs e não ando a chatear ninguém, mas há pessoas com quem gosto muito de falar, de trocar opiniões, teorias, episódios do quotidiano. E como em todo o lado, aparecem sempre pessoas que nos surpreendem, uns pela positiva porque vamos descobrindo pontos em comum com algumas pessoas, mas também nos surpreendemos pela negativa porque descobrimos que tal como na vida real, também no mundo virtual as pessoas nunca são o que parecem ser.

Com o tempo senti necessidade também de partilhar o que sinto, de bom e de menos bom, relativamente à minha doença, que também é a de muitas pessoas, mas de forma menos negativa. E por essa razão criei inicialmente a página https://www.facebook.com/Saber-viver-com-Fibromialgia-1663600397212208/ com o mesmo nome, e posteriormente o blog. Escrevo para partilhar mas sobretudo para mim. Escrever tornou-se um pouco catártico e descobri que me dá imenso prazer. Mesmo com dores e toda contorcida, ou mudando 327 vezes de posição para estar ao computador, quando escrevo, tudo me parece secundário.


MAS...

Se não me canso de dizer que a internet é muito minha amiga, também tenho que assumir que esta "relação" não é isenta de riscos.

Quando me iniciei no mundo virtual e aderi ao Facebook, comecei a jogar um jogo muito popular na altura. Começou de forma normal, mas quando dei conta, passava quase todo o meu tempo livre em casa e a jogar. Por ter amigos que também o jogavam e porque sempre fui competitiva, jogava para estar sempre à frente dos outros. Um dia "acordei" e achei que isso não era vida, nem para mim, nem para quem me rodeava e de repente, desactivei tudo. Até o meu companheiro na altura ficou surpreendido como é que eu estava tão habituada a jogar, fui capaz de cortar assim de um momento para o outro. Deixei não tanto pelo vício, mas pela sensação de me estar a sentir controlada. E quem me conhece sabe que odeiooo sentir-me pressionada seja de que forma for. Se eu nunca deixei ninguém controlar a minha vida, não era um joguito que o ia fazer.

Mais tarde, e depois de aderir a alguns grupos, também senti que passava muito tempo nas redes sociais. Liguei-me a grupos ligados à culinária, à música, a livros...Passava muito tempo ligada e para mim era normal estar sempre a falar com alguém. Reforcei amizades, criei novas e dessas, algumas passaram para o mundo real. Posso considerar-me uma mulher de sorte porque felizmente ainda hoje mantenho a maioria dessas relações. Mas hoje reconheço que, apesar de na altura, me dar prazer estar sempre ligada, também era uma forma de me alhear da minha realidade. A minha vida pessoal estava a desmoronar-se e a internet passou a ser um escape. Enquanto falava e brincava com as minhas amigas, não me lembrava do que me rodeava. O que não era nada bom porque só ajudou a protelar uma situação que se adivinhava irreversível.

Este quanto a mim é um dos maiores perigos indirectos da internet. Por ser tão fácil as pessoas relacionarem-se on-line, acabam por virar costas ao que interessa e a vida real acaba em segundo plano. Eu lembro-me que, quando comprei um robot de cozinha, estava de tal maneira empenhada em cozinhar e partilhar o que fazia, que o pessoal em casa já brincava e antes de começar a comer fosse o que fosse, perguntavam "posso comer? já tiraste a foto?"Também nos grupos de culinária havia uma espécie de competição para ver quem fazia a melhor receita e consequentemente a melhor foto. Sim também passei por isso. Hoje continuo a gostar de partilhar como toda a gente, mas de forma mais serena.

Actualmente penso muito mais em mim e naquilo que me pode fazer bem ou não. E apesar de me saber muito bem poder fazer muita coisa pela internet, tento a todo o custo sair de casa. Porque me obrigo a mexer-me, tento dividir as minhas actividades na rua por dias. Ou seja, mesmo que possa fazer várias coisas no mesmo dia, tento fazê-las em dias diferentes pois assim obrigo-me a sair de casa, e de ver pessoas, e de apanhar ar, mas sobretudo de me mexer. 

Descobri por experiência própria que, nos dias menos bons, em que tudo dói e nada parece aliviar, é nesses momentos que tenho que sair de casa. Nem que seja para ir despejar o lixo ou ver o correio, ou assim para a loucura, arrastar as pernas até ao fundo da rua.

Temos que admitir que é muito mais cómodo, usarmos a doença como desculpa para ficar em casa e não falar com ninguém, porque muitas vezes é isso que acontece. É muito mais fácil falar com alguém on-line, onde respondemos quando nos apetece e como nos apetece, do que falarmos com alguém pessoalmente, e ter que vestir, arranjar e estar sentada algures a conversar com alguém ou passear quando, instintivamente o que nos apetece é ficar no nosso casulo. Mas descobri que são essas pequenas coisas que me ajudam no dia a dia. Por estar de baixa há algum tempo, não tenho necessidade de sair de casa todos os dias, mas obrigo-me a fazê-lo.

Vejo muitas pessoas com doença crónica que se escudam na doença e se deixam ficar em casa, mas de nada adianta porque a dor não passa, o desconforto não desaparece e pior, a nossa auto-estima vai-se degradando e isso mais cedo ou mais tarde, também se vai reflectir no nosso estado físico. Eu própria demorei algum tempo a processar e desculpava-me para não ter que sair de casa....sim também tive dias em que tive pena de mim própria...felizmente poucos!

Aos poucos, fui descobrindo o prazer em falar com as pessoas, porque isso me obriga a dar o melhor de mim. Não para mostrar aos outros, mas por mim. Mesmo que não fale com ninguém, gosto de sair, mesmo com dores. Tenho a sorte de morar numa zona muito verde e tranquila, mas perto de lojas, sobretudo de decoração que eu adoro. E nos dias em que não tenho nenhuma tarefa programada (compras, banco, etc), saio para ver as lojas. Muitas vezes nem compro nada, mas nem é esse o objectivo, mas sim sair e ver gente.

Felizmente também tenho algumas amigas que me entendem e me estimulam também a sair para passear, almoçar, caminhar, enfim, partilhar momentos de gajas...São estes momentos com amigos e família chegada que me permitem ter um pouco de normalidade na minha vida que ficou um pouco de pernas para o ar com o diagnóstico, mas que eu quero a todo o custo manter dentro dos carris sem me desviar muito dos planos traçados. Não é fácil, é uma luta diária e constante, mas não é impossível. Permito-me ter momentos menos bons, mas mesmo nesses momentos tento sempre ver o lado bom da coisa e reagir. 

O difícil nesta nova vida é manter o equilíbrio entre aceitar aquilo que a doença nos limita e aquilo que não podemos deixar que ela controle. É muito fácil sucumbir ao conforto que a internet e as redes sociais nos disponibilizam, mas é preciso um bom jogo de cintura para que não nos deixemos cair nessas rotinas. Mas nada é impossível. E apesar de ser doente crónica, recuso-me a deixar de ser quem sou e que a doença me controle...bem, não todos os dias...

13 de novembro de 2015

Dor crónica... e muito mais...

Quem sofre de dor crónica, não tem como único sintoma uma dor constante e/ou lancinante. Também sofre de perturbações do sono, está mais propenso a estar deprimido, ansioso e sente muitas vezes dificuldade em tomar decisões simples.

Num estudo efectuado na Northwestern University's Feinberg School of medicine, os investigadores concluíram que a dor intensa sentida a longo prazo, provoca outros sintomas relacionados com a dor.  
Num cérebro saudável, todas as regiões se relacionam em perfeita harmonia, ou seja, quando uma região é activada, as outras ficam em repouso. Mas em pessoas com dor crónica, a região frontal do córtex cerebral, associada às emoções "nunca se desliga". Quem o afirma é Dante Chialvo, principal autor e professor investigador da Feinberg School. "As áreas afectadas não conseguem desactivar-se quando deveriam."

Estas áreas estão constantemente activas, provocando um desgaste intenso ao nível dos neurónios e das suas conexões. Esta é a primeira confirmação de que as perturbações cerebrais em pacientes com dor crónica não estão directamente relacionadas com a dor.

Chialvo e seus parceiros na pesquisa recorreram à Ressonância Magnética funcional para mapear o cérebro de um grupo de voluntários que sofriam de dor lombar crónica comparando com outro grupo de voluntários sem dor. Ambos os grupos tinham de seguir o movimento de uma barra deslizante num écran de computador. O estudo demonstrou que os dois grupos conseguiram executar a tarefa, sendo que o grupo de voluntários com dor crónica recorreu a áreas do seu cérebro diferentes, comparativamente ao segundo grupo.

 No grupo dos indivíduos sem dor, quando determinadas partes do córtex cerebral foram activadas, outras foram desactivadas, mantendo um equilíbrio entre as regiões cerebrais. Este equilíbrio é também conhecido como redes de estado de repouso. No grupo dos indivíduos com dor crónica, uma zona dessa rede nunca se desligou como aconteceu no grupo dos indivíduos sem dor. 

"A actividade incessante dos neurónios nestas regiões cerebrais, pode causar danos permanentes" afirmou Chialvo. "Sabemos que quando os neurónios entram em hiperactividade, podem mudar as suas conexões com outros neurónios ou até mesmo morrer por não suportarem esta sobrecarga de actividade durante muito tempo."

"Quando um paciente sofre de dor crónica, sente dor 24 horas por dia, 7 dias por semana, a cada minuto da sua vida" disse Chialvo. "Esta percepção permanente de dor no seu cérebro, faz com que essas áreas estejam continuadamente activas. Esta disfunção contínua no equilíbrio cerebral, pode alterar para sempre o bom funcionamento do cérebro."

Chialvo constatou que este desequilíbrio da actividade cerebral "pode tornar mais difícil a tomada de simples decisões ou acordar de bom humor. A dor constante pode levar à depressão e a outras patologias uma vez que existe uma perturbação do funcionamento do cérebro como um todo."

Esta descoberta mostra que é essencial continuar a estudar novas abordagens para tratar estes pacientes, não apenas para controlar a sua dor, mas também para avaliar e prevenir esta disfunção cerebral provocada pela dor crónica.

Este estudo foi publicado no The Journal of Neuroscience. Os colaboradores de Chialvo neste projecto foram Marwan Baliki, um estudante de pós graduação; Paul Geha, um colega pós-doutorado e Vania Apkarian, professora de fisiologia e anestesiologia, todos Feinberg School.

Fonte: http://www.sciencedaily.com/releases/2008/02/080205171755.htm

12 de novembro de 2015

Mudanças

Receber um diagnóstico de doença crónica é sempre um choque. Mesmo que saibamos que não é normal a dor não abrandar, o cansaço não desaparecer, que não consigamos dormir uma noite em condições, estamos sempre à espera que haja solução para os nossos males. E tentamos tudo para que se possa sentir algum alívio, seja a que nível for.

Passado o impacto da notícia, há que reagir em conformidade. O que nem sempre é fácil. "Há coisas piores", dizem-nos..."Tens que reagir", opinam outros...O certo é que não queremos ouvir opiniões sobretudo de quem não está a passar pelo mesmo. Por momentos, a ideia de ter que passar o resto dos nossos dias com estes sintomas, é uma ideia aterradora.


Vamos reagindo, uns dias melhores que outros, com a certeza de que o que ficou para trás, ficou MESMO para trás. E há que saber viver o melhor que se pode com o que se tem. Não há outra forma. De nada serve lamentar a nossa sina (assumo que de vez em quando o faço...mas por breves momentos), de nada serve termos pena e muito menos revoltarmo-nos contra tudo e contra todos. 

Eu sei que as pessoas "aconselham" com boa vontade porque não sabem o que mais dizer. Euzinha, prefiro que não digam nada e que falem comigo normalmente e me deixem viver ao meu ritmo. A única certeza que tenho é que só EU sei o que é melhor para mim. E para isso tive que me adaptar à minha nova realidade. Aprendi a valorizar as pequenas coisas e a desligar-me daquilo que não me faz feliz. Aprendi também a conhecer-me melhor porque só assim posso evoluir. Se é fácil escrever agora sobre isto, passar por todo este processo (que está em constante mutação) não tem sido pêra doce, mas queixar-me para quê, certo?



NEGAÇÃO


Depois do diagnóstico e de acharmos que estamos preparados para o que vai ser o resto das nossas vidas, a negação começa a infiltrar-se. Nos nossos pensamentos, nas nossas atitudes, nas nossas relações com os outros. Conscientemente pensei que tinha aceite a nova condição, mas dei-me conta que as minhas atitudes não estavam em conformidade com aquilo que eu pensava que pensava. Confuso? Nada disso...

Eu dizia para mim própria que estava tudo bem, que assumia estar doente, mas depois forçava-me a agir no sentido contrário. Continuava a desempenhar (ou a querer) as minhas tarefas como sempre fazia. nas coisas mais insignificantes...Quando acordava, por exemplo, e sentia o cansaço que já se tinha instalado (ou que ainda não tinha ido embora), obrigava-me a sair da cama achando que era psicológico e era o que mais faltava estar agora a fazer a vontade ao corpo. Depois continuava (ou tentava, vá) as minhas rotinas como se nada fosse e o meu corpo não aguentava. Aumentava a dor, o cansaço e a espiral não quebrava o ritmo e ficava frustrada. Quando finalmente me dignava a parar, já estava de rastos, completamente exausta, nem para chorar tinha já forças.


RAIVA



É muito fácil dizer aos outros para ter calma e para levar a vida um dia de cada vez. "Pimenta no cú dos outros, é refresco!"(perdoem-me os mais sensíveis) Difícil é aceitar que estamos mesmo diferentes, que mesmo que não queiramos aceitar, o nosso corpo mudou e que não responde mais como nos habituámos a vida inteira. 

Senti muitas vezes raiva de não conseguir tomar um duche sem ter que parar várias vezes a água porque não tinha forças para passar o shampoo. Senti raiva quando fazia a minha cama (é só esticar o edredon) e tinha que me sentar a meio. Senti raiva quando depois de fazer o almoço ou jantar, não conseguia estar à mesa, a comer de faca e garfo, como toda a gente, porque não tinha força sequer para agarrar a faca. Senti raiva muitas vezes raiva quando estava a falar e a meio do discurso, esquecia-me do que estava a falar. 

Curiosamente nunca tive pensamentos de "porquê eu?" e nunca me comparei com ninguém. A minha raiva vinha de mim contra mim, não queria aceitar que tinha mudado. Que tudo tinha mudado. O mundo lá fora continuava igual, mas EU TINHA MUDADO...e não para melhor.


REAGIR É PRECISO

Durante toda a minha vida e também por defesa, sempre que me vejo confrontada com uma situação que não controlo, dou-me ao luxo de, por um tempo determinado, deixar-me cair no fundo do poço, comprometendo-me comigo própria a reagir imediatamente a seguir. Não sou de ferro, sou de carne e osso e também tenho direito aos meus momentos de neura e de lamentações, mas depois é preciso mudar e quebrar o ciclo.

Sou de personalidade forte (uns dirão que é mau feitio) mas não sou nada de baixar os braços e de me deixar arrastar indefinidamente por sentimentos de tristeza. Até porque com a Fibromialgia, descobrimos rapidamente que pensamentos negativos e derrotistas se reflectem imediatamente no nosso corpo. 

Nas pesquisas que fazia e faço incessantemente, vi que era benéfico, fazer um diário de tudo o que fazemos durante o dia, medicação, hábitos de higiene e alimentares, e níveis de dor, no sentido de conseguirmos descortinar algum tipo de padrão. Felizmente a minha terapeuta de psicomotricidade sugeriu-me que, em vez de tomar só nota dos momentos de dor, para tomar nota também dos momentos SEM dor, tomar nota dos momentos felizes e do que eu fiz durante o dia que me desse algum prazer, nem que fossem só 5 minutos. A ideia era obrigar-me a consciencializar que apesar da dor e da fadiga, também temos momentos sem dor, ou que de alguma maneira nos tragam alguma compensação.

Ao fim de alguns dias apercebi-me que já não mencionava os momentos ou níveis de dor. Eles estavam sempre presentes, mas eu não queria centrar a minha vida à volta disso. Mesmo que fossem só 5 minutos de cada vez, eram esses 5 minutos que tinham que importar, que tinham que ser valorizados.


DEIXAR DE SENTIR CULPA

Curioso como quando nos sentimos encurralados e não vemos sequer uma luzinha ao fundo do túnel, estamos mais propensos a acreditar em coisas que antes nos pareciam caricatas. Sem saber como gerir a dor constante, "aceitei" começar a pesquisar sobre meditação. Percebi que somos muito mais do que a doença. Que centrar a nossa vida à volta dela, acaba por ser extremamente tóxico e mais uma vez o nosso corpo reage em função disso.

Com o tempo consegui compreender o óbvio: eu não tenho culpa de estar doente. Acontece a qualquer um e nos momentos mais inesperados e de nada serve estar a alimentar sentimentos negativos. Não é fácil assumir que estamos doentes, mas de que adianta continuar a negar? Estamos e pronto. 

Percebi que era preciso criar um equilíbrio entre o aceitar a doença e o não se deixar controlar por ela e essa é a parte mais difícil. É muito difícil saber quando parar, sobretudo para quem sempre se habituou a não depender de nada nem de ninguém. E confesso que de vez em quando ainda tento levar o meu corpo ao limite. Não é de forma consciente, mas ainda tenho momentos em que o meu cérebro se esquece que o meu corpo já não lhe responde da mesma maneira.


PRIORIDADES

Nada nos puxa mais para realidade do que sentirmos o nosso chão a fugir dos pés. E é nesses momentos que descobrimos o quão fortes somos. E que mesmo que precisemos da ajuda dos outros, é preciso ser muito forte para assumir que precisamos dela. Prefiro pensar que pedir ajuda, não faz de mim fraca, mas faz de mim um ser consciente que assume que não está bem e que precisa de ajuda para não se sentir pior. Isso não é ser fraco, mas é ser extremamente forte.

Tornei-me na minha prioridade primordial. Consegui criar um projecto de vida alternativo que me vai permitir manter uma actividade profissional, respeitando minimamente o meu corpo e as minhas necessidades básicas, mas com o tempo lá chegaremos.

Percebi que tinha que saber filtrar os meus sentimentos e pensamentos. É mais fácil dizer do que fazer, mas aprendi que de nada adianta estar a alimentar sentimentos que eu não posso controlar. E de cada vez que eu me apercebia que estava a pensar sempre no mesmo, "sacudia" o pensamento para longe e pouco a pouco consegui controlar um pouco melhor aquilo que o meu cérebro processa. De cada vez que fico triste ou mais pensativa, tento perceber porque me sinto assim e se há forma de mudar.

Outra coisa que tive que mudar foi baixar o nível de exigência das metas que me propunha atingir. Isso reflecte-se em decisões simples como arrumar ou limpar a casa. O que antes eu conseguia fazer num só dia, ou mesmo numa só manhã, agora proponho-me metas mais realistas e exequíveis. De que adianta eu querer limpar a casa numa manhã quando eu sei que não vou conseguir? Prefiro estabelecer um limite de arrumar uma divisão ou duas por dia. Se o conseguir ultrapassar, melhor. Se não o conseguir ultrapassar, também não fico frustrada, porque cumpri com o que me propus fazer.

Agora sinto que tenho o direito de dizer "não" sem me sentir culpada. Seja relativamente a atitudes e comportamentos alheios, seja para comigo. Tenho o direito de fazer menos se precisar, sem justificar as minhas decisões. Simplesmente porque eu o mereço.

Tenho que me mexer. Instintivamente, a vontade que tenho quando estou com dores, é de me deitar, enrolar e ficar ali quietinha sem ninguém me chatear. Mas descobri que por muito que isso pareça o melhor a fazer, acaba por ser muito pior para mim. Por isso quando estou muito aflita, descobri que o melhor é mexer, nem que seja andar no corredor de um lado para o outro. Tento sempre sair de casa todos os dias. E mesmo quando posso tratar de vários assuntos no mesmo dia, tento sempre executar um cada dia, para me obrigar a tomar banho, vestir, sair de casa e apanhar ar.

Também descobri o prazer de escrever. Nunca pensei fazê-lo mas a verdade é que enquanto o faço, o meu foco está direccionado para a escrita e consigo abstrair-me da dor e do desconforto. Criei a página e o blog como terapia e está a dar-me muito prazer. É preciso encontrar algo que nos motive e que nos obrigue a reagir um pouco mais dia a dia. É preferível concentrarmo-nos nos pequenos prazeres do que focarmo-nos nas nossas deficiências.

Em suma, a vida é nossa, e não podemos deixar que sejam os outros a ditar como a devemos viver. Não existe a solução perfeita e cada um encontrará o seu equilíbrio, mas essa decisão é única e exclusivamente nossa.