22 de abril de 2017

Viver com Fibromialgia

Como é ter Fibromialgia? 

Muita gente já ouviu falar do problema, mas continuam saber o que é e que impacto tem nas vidas de quem sofre. Talvez tenha acabado de ser diagnosticado e esteja ainda um pouco perdido. Ou talvez tenha alguém próximo com diagnóstico recente e quer perceber um pouco melhor do que se trata e de como pode ajudar a pessoa. Ouve-se muitas vezes pessoas "saudáveis" queixarem-se dos doentes com Fibro, achando que são queixinhas, que exageram, que querem chamar a atenção. Deve ser!

Seja como for, ao colocar esta questão, é melhor estar preparado para as respostas mais díspares. Isto porque a doença não se manifesta da mesma forma, com os mesmos sintomas em todas as pessoas.

No geral, a dor sentida é generalizada, intensa e duradoura. A forma como essa dor é sentida varia de pessoa para pessoa. Geralmente localiza-se em 18 pontos específicos, mas nem sempre é tão linear. Estes pontos situam-se próximos de articulações em ambos os lados do corpo e há dias em que nos sentimos tão presos como se fossemos marionetas e alguém estivesse a esticar os fios todos, impedindo-nos de nos movimentarmos.

A dor mais descrita assemelha-se a sensação de gripe com febre intensa, uma dor generalizada, constante, maçadora e terrivelmente desgastante. Como se os músculos tivessem estado sob um esforço olímpico, e isto assim que se abre os olhos. Imagine-se acordar com gripe, todos os dias e sem nada que possa aliviar?! Ainda acha que não temos razões de queixa?

Em dias de crise ou depois de periodos de stress (confesso que é o que mais me custa controlar), as dores podem não ser só de gripe, mas sim de facadas e/ou agulhadas em pontos aleatórios espalhados pelo corpo. Por vezes também acontece sentirmos que a pele se solta dos ossos. Lembro-me de há anos (depois de ter tido febre reumática) de me queixar à médica que sentia as articulações "desencaixadas". Ela olhava para mim sem saber o que dizer e também não se preocupava muito.

Seja que tipo de dor for, torna os dias muito longos e ficamos com uma sensação que eu chamo de "sensação de António Variações - só estou bem onde não estou!" Isto porque nos meus piores dias, não tenho posição nem disposição para estar em lado nenhum. Não apetece estar em casa, mas também não apetece sair. Não apetece estar na cama, mas também não me apetece fazer nada. Acredite que se parece estranho a quem está de fora, parece muito mais surreal a quem está "por dentro".

Como é viver com Fibromialgia?


Além da dor física, que já nos dá entrada directa para a Twilight Zone, ainda há que lidar com a fadiga constante. Não, aqui não há aquela conversa de "ah e tal, eu também ando cansada e não me queixo!" É um cansaço ex-te-nu-an-te! E quando digo extenuante, é do tipo, não conseguir tomar um duche sem ajuda, ou levar a escova ao cabelo, ou como me chegou a acontecer, comer de faca e garfo e levar o copo à boca. (Quando digo que cheguei ao fundo do poço, cheguei mesmo!)


Imagine o que é acordar assim, todos os dias e sem perspectiva de melhoras porque É CRÓNICO! (Coloquei as maiúsculas porque há gente que não percebe o conceito de crónico, por isso escusam de perguntar "então, estás melhor?")

Poderá pensar que por andarmos sempre tão cansadas, que chegamos à cama e conseguimos dormir profundamente. Num mundo perfeito seria assim, sim! No meu caso, quanto mais cansada estou, mais o meu cérebro parece querer fazer directas e não querer desligar. Assim, além de todo o desconforto que acumulámos durante o dia, ainda temos como companhia uma bela duma insónia.

Calcula-se a vontade que temos de sair da cama no dia seguinte, certo? Com o tempo, e sem se dar conta, passamos anos sem ter uma noite descansada e repousante. O que condiciona obviamente a nossa vitalidade e comportamento durante o dia. E é aí que entra o "brain-fog", o chamado nevoeiro mental. A memória de curto prazo fica abalada, e quando digo de curto prazo, é mesmo de curto, do género de estarmos a falar com alguém e puff...esquecemos o que estávamos a dizer. Passei algumas vergonhas, mas qd isso acontecia, fingia que tinha o telemóvel a tocar e depois quando retomava a conversa, perguntava "onde é que eu ia mesmo?" (Uma Lady nunca sai do salto!)

Passei a fazer listas e a andar com um caderninho sempre comigo. O problema é que muitas vezes me esquecia de apontar. Não é fácil apercebermo-nos que estamos com dificuldades técnicas, por isso agradecemos que nos levem a sério.

Se ainda acham que estamos a exagerar, então, lamento dizer isto mas, estão mesmo a agir de má fé.

E as emoções como ficam?

Logicamente que tudo o que foi descrito anteriormente (e acreditem que fui muito ligeirinha na abordagem), leva a um desgaste emocional enorme, a auto-estima esvai-se a passos largos. É natural que as pessoas se afastem e que sobre só a família e amigos chegados. Friso o "chegados" porque muitas vezes nem a família de casa entende. 

Emocionalmente é muito desgastante para todos e é preciso haver uma ligação de entendimento muito forte entre as pessoas. Para o doente é muito difícil aceitar as suas limitações e condicionantes, mas por outro lado, sente que não pode deixar de conviver e de socializar com os outros, Depois, e falo por mim, porque detesto me sentir dependente, evitava a todo o custo pedir ajuda, o que me provocava um desgaste ainda maior. Felizmente tenho uma filha 5 estrelas, que não esperava sequer que eu verbalizasse fosse o que fosse e largava tudo o que estivesse a fazer para me vir ajudar. Percebi que para ela também era importante sentir-se útil e que de alguma forma isso a tornava parte activa de todo o processo.

É preciso ter alguma força de vontade para levantar da cama todos os dias e tentar levar a vida o mais normal possível, e fazer-se o melhor que se pode. E não deixar que a doença domine as nossas vidas, as nossas rotinas, as nossas relações e emoções. Isso sim, é ser forte!

Só quem está deste lado, percebe a sensação de estar dentro de um corpo que já não reconhece, que não lhe pertence e não lhe obedece. Como se de repente também estivesse a descobrir o que fazer a todas as dores, a todas as emoções e a todas as consequências que esta doença nos traz.

Por isso, da próxima vez que ouvir alguém com Fibro queixar-se, lembre-se disto tudo e lembre-se que quando nos queixamos e sentimos que estamos a incomodar terceiros com os nossos desabafos, é porque o mal-estar já ultrapassou largamente a barreira do suportável.

Talvez não tenho encontrado grande sentido no que foi acima descrito, mas a verdade é que não há doentes iguais, não há dores iguais e não há dias iguais. Nunca a expressão "viver um dia de cada vez", fez tanto sentido, porque nunca sabemos como vai ser o dia seguinte e como vamos reagir a ele.

Não há soluções ideais, nem remédios milagrosos. Por isso, o melhor que pode fazer, é abraçar a pessoa e dizer-lhe "acredito em ti" e permanecer a seu lado.

4 comentários:

  1. Perfeito, Cristina. Conseguiste dar conta (mesmo sendo bem resumida) do quadro que nos acompanha. Me senti representada em tudo e te agradeço. Compartilhei na minha pagina do facebook. Bjs

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  2. Obgd pela transparência das palavras, parecia que me estava a ver ao espelho! Força e coragem ;)

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  3. Obrigada pela descrição perfeita, como me revejo... Beijinhos

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